domingo, 29 de março de 2009

Conteúdo de Legislação e Jurisprudência LGBTTT - IV

LÉSBICAS GAYS BISSEXUAIS TRAVESTIS TRANSEXUAIS TRANSGÊNEROS
LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA LGBTTTT

atualizada até 09.2006
distribuição gratuita

Sumário

TEMA 1: RECONHECIMENTO DE RELACIONAMENTO - DIREITOS SOCIAIS

STF - SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL

TRANSEXUALIDADE - MUDANÇA DE PRENOME
Processo 2005.001.07095
Processo 2005.008.00306
Processo 2005.001.17926
Processo 28817/2004
Processo 1.0000.00.296076-3/001 (1)

TEMA 2 DISCRIMINAÇÃO - INDENIZAÇÃO

TJs - TRIBUNAIS DE JUSTIÇA
Processo 2326790
Processo 70008966111
Processo 70006127476
Processo 000.04.008453-1
Processo 200500110788
Processo 29336/2004
Processo 13923/03
Processo 161.148-4/5-00
Processo 249.334-4/5 – 00
Processo 97.04.56271-3

JURISPRUDÊNCIAS

STF - SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL
TRANSEXUALIDADE - MUDANÇA DE PRENOME

Processo: 2005.001.07095 / RJ
Classe: AC - Apelação Cível
Relator: Des. Joaquim Alves de Brito
Origem: Nona Camara Cível
Julgamento: 26/07/2005

Apelação cível. Constitucional e processual. Ação de obrigação de fazer movida contra o estado visando obter a realização de cirurgia de transgenitalização de neocolpovulvoplastia (mudança de sexo) porquanto não tendo o autor recursos para financiá-la, e estando a utilizar medicamentos preparatórios da cirurgia que podem acarretar efeitos colaterais pondo sua vida em risco, os quais foram indicados por médicos do próprio estado, não pode ser desamparado pelo poder público
tendo em vista o direito social à saúde, previsto na constituição. Sentença de improcedência.
O direito social à saúde, previsto no art. 196 da Constituição é auto-aplicável, podendo se efetivar mediante a tutela jurisdicional. Se no caso em exame, se apresenta uma situação que pode evoluir para a eclosão de doenças gravíssimas, decorrentes da ministração de medicamentos indicados para anteceder a cirurgia de mudança de sexo, colocando em risco a vida da pessoa, se ultrapassado determinado prazo, sendo tais medicamentos prescritos em Clínica Especializada do próprio
Estado, não é admissível que o Poder Público se negue a fazer a cirurgia, demonstrando que o Apelante não tem recursos financeiros.
A questão já havia sido examinada pela Câmara em Agravo de Instrumento no qual se postulava a antecipação da tutela, sendo provido o recurso.
A negativa da efetivação de um direito assegurado pela Constituição, sem justificativa, constitui ofensa moral causadora de angústia, desalento, desesperança.
Apelo provido.

FONTE: http://www.tj.rj.gov.br/

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STF - SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL
TRANSEXUALIDADE - MUDANÇA DE PRENOME

Processo: 2005.008.00306 / RJ
Classe: Conflito de Competência
Relator(A): Des. Antonio Saldanha Palheiro
Origem: Segunda Câmara Cível
Julgamento: 30/11/2005

EMENTA

Conflito negativo de competência. Transexualismo. Mudança de prenome. Mudança do sexo. Competência do juízo de família.
Conflito Negativo de Competência. Ação pretendendo alteração de estado de pessoa - mudança de sexo e prenome. Divergência entre os Juízos da 18a. Vara de Família e 8a. Circunscrição do RCPN. Matéria sem previsão expressa no Código de Organização Judiciária, demandando interpretação sistemática e teleológica para apuração de competência. Antecedentes jurisprudenciais divergentes, com julgamento de matéria análoga pelos Juízos de Família e Registral.
O ponto central da controvérsia, e conseqüentemente da ação correspondente, é a mudança de sexo alteração de estado - sendo a mudança do prenome e retificação dos assentos mera conseqüência da primeira. A falta de previsão legal expressa orienta para a competência do Juízo de Família. No plano sistemático, em decorrência da competência geral das Varas de Família, voltada que são para a análise de questões relativas ao estado civil e outras pertinentes as relações afetivas
em geral. No plano teleológico concernente a finalidade do requerente de alterar sua condição sexual com as inevitáveis implicações próximas e diretas em suas relações familiares. E, no plano estrutural, como consequência do suporte cartorário, preparado para a jurisdição contenciosa permitindo tramitação mais célere e efetiva, o que não se verifica no cartório da circunscrição civil, de feição predominantemente administrativa. Reconhecimento de competência do Juízo suscitante,
18a. Vara de Família da Capital.

FONTE: http://www.tj.rj.gov.br/

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STF - SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL
TRANSEXUALIDADE - MUDANÇA DE PRENOME

Processo: 2005.001.17926 / RJ
Classe: AC - Apelacao Cível
Relator: Des. Nascimento Povoas Vaz
Origem: Décima Oitava Câmara Cível
Julgamento: 22/11/2005

EMENTA

Transexualismo. Registro civil de nascimento. Retificação. Mudança de prenome. Mudança do sexo.
Registro Civil. Pedido de retificação do prenome e do sexo constantes do assentamento de nascimento do postulante na serventia de Registro Civil das Pessoas Naturais. Pessoa que, inobstante nascida como do sexo masculino, desde a infância manifesta comportamento sócio-afetivo-psicológico próprio do genótipo feminino, apresentando-se como tal, e assim aceito pelos seus familiares e integrantes de seu círculo social, sendo, ademais, tecnicamente caracterizada
como transexual, submetendo-se a êxitosa cirurgia de transmutação da sua identidade sexual originária, passando a ostentar as caracterizadoras de pessoa do sexo feminino. Registrando que não é conhecido pelo seu prenome constante do assentamento em apreço, mas pelo que pretende substitua aquele. Conveniência e necessidade de se ajustar a situação defluênte das anotações registrais com a realidade constatada, de modo a reajustar a identidade física e social da pessoa
com a que resulta de aludido assentamento. Parcial provimento do recurso, para determinar que sejam promovidas as alterações pretendidas no aludido assentamento.

Publicada na REV. DIREITO DO T.J.E.R.J. vol. 67 página 288
FONTE: http://www.tj.rj.gov.br/

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STF - SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL
TRANSEXUALIDADE - MUDANÇA DE PRENOME

Processo: 28817/2004 / RJ
Classe: AC - Apelação Cível
Relator: Des. Otávio Rodrigues

EMENTA

Ação de Retificação de Registro Civil. Pedido para mudança do sexo, de masculino para feminino, e também de nome. Requerente que se submeteu à cirurgia para troca de sexo.
Sentença julgando extinto o feito. Recurso de Apelação Cível. REFORMA PARCIAL, diante do Código Civil de 2002, em seu artigo 1604, que repetiu o antigo art. 348, dispõe que: “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”. Embora tenha trazido laudo médico emanado de um cirurgião que realizou a operação para mudança de sexo, bem como um parecer psicológico, o fato é que a prova definitiva teria de
ser feita pelo laudo de analise citogenética. Todavia, em nosso entender, apesar do próprio aspecto humanitário, ele não pode ultrapassar os limites legais e te constitucionais diante da vedação em nosso direito de casamento envolvendo pessoas do mesmo sexo (art. 226, §3° CRFB/88 e mais art. 1515 do Código Civil de 2003). Assim, dada a situação atual da legislação e mais a necessidade de plena segurança das pessoas em seu negócio jurídico na vida social a postulação revela-se
incompatível. Aceita-se tão-somente, a mudança do nome visando minorar os constrangimentos, diante da situação de fato existente. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível n° 28817/2004, em que é Apelante XXXXX.
ACORDAM os Desembargadores da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, na forma do voto do Relator.

Relatórios às fls.

Tratam os autos de pedido de alteração no Registro Cível do nome e sexo do Apelante, que passaria para XXXXX, sob o fundamento de que realizou cirurgia para mudança de sexo, de masculino para feminino.
Inicialmente, cabe dizer que a competência é do Juízo de Registro Civil de Pessoas Naturais, na forma do art, 90, inciso III, CODJERJ (processar e julgar as retificações, anotações, averbações, cancelamentos e restabelecimentos dos respectivos assentos). Porém, por outros fundamentos a sentença de extinção deve ser mantida.
A matéria debatida é sumamente complexa, diante do disposto na Lei n° 6015 de 31/12/77 de que o assento de nascimento é inalterável. Somente quando o nome pode expor a pessoa ao ridículo ou em caso de erro de grafia é que a Lei de Registros Públicos permite a alteração, conforme arts. 55 e 58.
O Novo Código Civil disciplinou através do art. 1604, que repetiu o antigo art. 348, disposto que: “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”.
Assim, deveria o Recorrente demonstrar claramente o erro ou a falsidade de seu registro, o que não logrou fazê-lo.
Embora tenha trazido laudo médico emanado de um cirurgião que realizou a operação para mudança de sexo, bem como um parecer psicológico, o fato é que a prova definitiva teria de ser feita por laudo de análise citogenética.
É que com o avanço da ciência é possível a determinação exata do sexo de uma pessoa.
Esses estudos tiveram inicio em 1910, por Thomas Hunt Morgan, no exame da mosca das frutas (cf. biologianaweb/com).
Tijo e Levan estabeleceram em 1956 o número correto de cromossomos no cariótipo humano. Em 1990, cientistas britânicos declararam que a presença do cromossomo Y relaciona-se com o sexo masculino.
É sabido que o individuo herda um conjunto de genes do pai e outro da mãe. Esses genes dispostos em estrutura conhecida como cromossomos.
O número, tamanho e forma dos cromossomos variam de espécie para espécie, porém na grande maioria eles ocorrem em pares. Em um desse pares cromossômicos se encontra os genes que determinam o sexo, assim chamados de cromossomos sexuais. Dessa forma, a chave para a determinação do sexo é a diferença encontrada nos cromossomos sexuais.
Nos mamíferos, os dois cromossomos que constituem o par sexual dos machos são denominados cromossomos X e Y; X presente no óvulo que une-se ao cromossomo X ou Y contido no espermatozóide.
Assim, nas fêmeas o par de cromossomos sexuais é constituído de dois cromossomo X. Nos machos são XY e as fêmeas XX (cf.internet-citocel).
É certo que, em alguns casos, a união dos cromossomos não acontece, gerando doenças genéticas como a sindrome de klinefelter, onde a constituição genética da pessoa é representada pela trissomia dos cromossomos sexuais, sugerindo bissexualidade, onde aparece a massa cromatina, que define o individuo como sexo feminino, não obstante ter aparência do sexo masculino. A representação é 47 XXY.
Também, existe a Sindrome de Turner, onde ocorre a monossomia do XX, sendo representada pelo sinal “XO”, onde o aspecto feminino é normal, porém, não há presença de cromatina ou ovários.
Porém, esses casos raros demandam exame próprio por expert judicial, dada a excepcionalidade.
Por esse breve relato percebe-se a importância da referida análise citogenética a ser feita por laboratório especializado visando à definição do sexo do individuo para nortear o julgador.
É cediço que muitos transexuais, com o intuito de adequar o sexo biológico ao psicológico, realizam cirurgias de extirpação dos órgãos sexuais criando outros problemas diante da mudança de aparência.
Segundo Matilde Sutter, transexual “é o individuo que recusa totalmente o sexo que lhe foi atribuído. Identifica-se psicologicamente com o sexo oposto, embora biologicamente não seja portador de qualquer anomalia”.
Tem-se conhecimento que o primeiro paciente submetido foi o americano George Jorgensen, que em 1952 adotou o nome de XXXXX após cirurgia em Copenhague. No Brasil, a primeira aconteceu em 1971, quando o cirurgião Roberto Farina acabou sofrendo processo criminal pelo Conselho Médico ao operar XXXXX.
Hoje essa cirurgia é permitida, conforme Resolução 1962 de 06/11/02 do Conselho Federal de Medicina. Tal cirurgia não é modificadora do sexo, mas mera adequação do sexo biológico ao psicológico.
Famoso no Brasil foi o caso da modelo Roberta Close chamado XXXXX, que luta pela troca do prenome e do sexo em seu registro. O STF, em fevereiro de 1997 não aceitou essa modificação, confirmando decisão da Oitava Câmara Cível do TJ/RJ, que reformou pelos votos dos Desembargadores Geraldo Batista, Luis Carlos Guimarães e Carpena Amorim, a sentença favorável ao autor prolatada em 1992, pela Juíza Conceição Mousnier da 4° Circunscrição.
Na verdade, existem decisões judiciais do Tribunal do Rio Grande do Sul, bem como as relatadas pelo autor admitindo a mudança do registro baseadas no chamado “sexo psicossocial”, onde não se analisa somente a constituição biológica visando harmonizar o lado psicológico com a vida social do individuo.
Todavia, em nosso entender, apesar do próprio aspecto humanitário, ele não pode ultrapassar os limites legais e até constitucionais diante da vedação em nosso direito de casamento envolvendo pessoas do mesmo sexo (art. 226, §3° CRFB/88 e mais art. 1515 do Código Civil de 2003).
Para ilustrar, cita-se a ementa do Ministro Cordeiro Guerra do SFT, no AI n° 82517 AgR/SP, de 28/04/81, Segunda Turma: “Pedido de retificação de assento de nascimento para mudança de sexo e nome, em decorrência de operação plástica. Impossibilidade de ofensa ao principio constitucional da legalidade”.
Os periódicos noticiaram que ano que vem será realizado no Brasil plebiscito para a permissão ou não de fabricação de armas, mas muitos parlamentares desejam aproveitar a oportunidade para inclusão de outros temas, inclusive casamento entre transexuais, oportunidade de adequação da legislação ao tema fático.
Porem dada à situação atual da legislação e mais à necessidade de plena segurança das pessoas em seus negócios jurídicos, bem como na vida social, a postulação revela-se incompatível.
Quanto à mudança do nome, isso é possível diante da situação de fato existente, visando minorar os constrangimentos que o Apelante sofre, sendo certo que a legislação permite essa alteração. Observar-se-´s o pronunciamento do MP a esse respeito.
Assim, aplicando-se o art. 515, §3° do CPC, decidiu a Câmara deferir parcialmente o requerimento acolhendo-se a retificação do nome na forma acima.
Quanto a mudança de sexo, foi rejeitada essa pretensão ante a não instrução do feito com documento essencial, podendo futuramente ser repetida a pretensão, desde que sanada a omissão.

MEU VOTO É NO SENTIDO DE DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO.
Rio de Janeiro, 02 de março de 2005.
Desembargador Luiz Eduardo Rabello – Presidente
Desembargador Otávio Rodrigues – Relator

RELATÓRIO

Tratam os autos de ação de Retificação de Registro Civil, onde o autor pretende a retificação em seus assentamentos civis do sexo masculino para o feminino e que seu prenome passe a ser XXXXX. Juntou diversos laudos que apóiam seu pedido.
Manifestação do MP do primeiro grau às fls. 72/73 pela extinção do processo.
Sentença às fls. 89/90, julgando extinto o feito, sem julgamento do mérito (art. 267, inciso IV do CPC).
Embargos e Declaração não acolhidos às fls. 96v.
Recurso de Apelação Cível às fls. 98/111, reiterando os termos da inicial, discorrendo sobre a competência do Juízo para decidir a questão, pedindo a procedência.
A Dra. Procuradora de Justiça da Câmara opinou pelo provimento parcial do recurso, a fim de que seja retificado o nome e o sexo do Apelante, fazendo constar, à margem do registro, que a alteração se deu em virtude de sentença, por transexualidade. (fls. 139/143)

É o relatório. A douta revisão.
Rio de janeiro, 22 de novembro de 2004.
Desembargador Otávio Rodrigues – Relator
Embargos de Declaração. RECURSO ACOLHIDO PARCIALMENTE, para prestar esclarecimentos no julgado, sem efeitos modificativos.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos de Declaração na Apelação Cível n° 28817/2004, em que é Embargante XXXXX.
ACORDAM os Desembargadores da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em ACOLHER PARCIALMENTE OS
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, na forma do voto do Relator.
Tratam os autos de Embargos de Declaração, em Apelação Cível, tendo-se em vista o V. Acórdão de fls. 161/170, desta Egrégia Câmara Cível que, por unanimidade, deu provimento parcial ao recurso, para aceitar tão-somente o pedido de mudança do nome, visando minorar os constrangimentos, diante da situação de fato existente, em ação de Retificação de Registro Civil.
Neste Recurso, o Embargante alega que houve omissões no julgado, como narra nos itens a, b, c, d e f de fls. 173/175.
Consoante se verifica, o Acórdão examinou, com detalhes, todas as questões levantadas no recurso e o presente revela insatisfação com a decisão colegiada e não omissões a serem sanadas, com exceção da parte final do presente Aresto.
Para tal, citadas as normas constitucionais e legais adequadas ao caso.
Aplicável a Sumula 52 do TJ/RJ, que dispõe: “Inexiste omissão a sanar através de embargos declaratórios, quando o acórdão não enfrentou todas as questões argüidas pelas partes, desde que uma delas tenha sido suficiente para o julgamento do recurso. ”O argumento de que o Código Civil não define o termo sexo é matéria irrelevante para a decisão deste processo. Na verdade, o sexo é definido cientificamente pela contagem de cromossomos.
Como foi dito no Acórdão, é necessário o exame citogenético, daí a insuficiência da cirurgia mencionada no item “b” de fls. 174.
Se o registro civil está submetido ao principio da veracidade, assume invencível barreira a necessidade do exame mencionado.
Os arts. 55, parágrafo único e 58, parágrafo único, da Lei de Registros Públicos restritos aos nomes, e que foi concedido na decisão recorrida.
Os arts. 1°, incisos II e III, 196 e 3°, inciso IV da Constituição da República/88 são inaplicáveis ao caso presente, já que o Acórdão não atingiu a saúde, integridade, personalidade, dignidade etc do Embargante.
O único ponto a ser retificado prende-se à necessidade de informar que o requerimento relativo ao nome foi acolhido, sendo o pedido julgado procedente, em parte, retificando-se o Aresto nesse particular, extinto o processo (CPC, 267, Inciso IV), quanto ao pedido de mudança de sexo.

MEU VOTO É NO SENTIDO DE ACOLHER PARCIALMENTE OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, para prestar os esclarecimentos acima no julgado, sem efeitos modificativos.

Rio de Janeiro, 13 de Abril de 2005.
Desembargador Luiz Eduardo Rabello – Presidente
Desembargador Otávio Rodrigues - Relator

FONTE: http://www.tj.rj.gov.br/

--- Fim

STF - SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL
TRANSEXUALIDADE - MUDANÇA DE PRENOME

Processo: 1.0000.00.296076-3/001(1) / MG
Relator: Carreira Machado
Relator do Acordão: Almeida Melo
Data do Acordão: 22/04/2004
Data da Publicação: 08/06/2004

EMENTA

Civil. Sexo. Estado individual. Imutabilidade. O sexo, como estado individual da pessoa, é informado pelo gênero biológico. A redefinição do sexo, da qual derivam direitos e obrigações, procede do Direito e não pode variar de sua origem natural sem legislação própria que a acautele e discipline. Rejeitam-se os embargos infringentes.

V.V. EMBARGOS INFRINGENTES - TRANSEXUAL - RETIFICAÇÃO DE REGISTRO - NOME E SEXO - Negar, nos dias atuais, não o avanço do falso modernismo que sempre não convém, mas a existência de um transtorno sexual reconhecido pela medicina universal, seria pouco científico. Embargos acolhidos para negar provimento à apelação, permitindo assim a retificação de registro quanto ao nome e sexo do embargante.

EMBARGOS INFRINGENTES Nº 1.0000.00.296076-3/001 (Na Apelação Cível Nº 296.076-3) - Comarca de Belo Horizonte - Embargante(S): Romar Nogueira Rabelo - Embargado(S): Ministério Público Estado Minas Gerais, Pj 1 V. Família Comarca Belo Horizonte - Relator: Exmo. Sr. Des. Carreira Machado
- Relator Para O Acórdão: Exmo Sr. Des. Almeida Melo

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda a QUARTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM REJEITAR OS EMBARGOS, VENCIDOS O RELATOR E O PRIMEIRO VOGAL.

Belo Horizonte, 22 de abril de 2004.
DES. ALMEIDA MELO - Relator para o acórdão.
DES. CARREIRA MACHADO - Relator vencido.
15/04/2004
QUARTA CÂMARA CÍVEL
ADIADO
NOTAS TAQUIGRÁFICAS

Embargos Infringentes Nº 1.0000.00.296076-3/001 (Na Apelação Cível Nº 296.076-3) - Comarca de Belo Horizonte - Embargante(S): Romar Nogueira Rabelo - Embargado(S): Ministério Público Estado Minas Gerais, Pj 1 V. Família Comarca Belo Horizonte - Relator: Exmo. Sr. Des. Carreira Machado
Proferiu sustentação oral, pelo Embargante, a Dra. Juliana Gontijo.

O Sr. Des. Carreira Machado:
VOTO

Trata-se de Embargos Infringentes interpostos por XXXXX em face do acórdão de f. 109-125 que, em recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, rejeitou a preliminar e deu provimento ao recurso, restando vencido o Revisor.
Referido recurso de apelação foi interposto pelo Parquet contra a sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara de Família da Comarca desta capital que, em ação de retificação de registro civil ajuizada pelo ora embargante, autorizou as modificações almejadas nos autos, determinando a expedição de mandado para alteração do nome do requerente, bem como alteração na indicação do sexo, de “masculino” para “feminino”.
O embargante, às f. 132-167, pugna pelo provimento do presente recurso, defendendo a autorização da retificação do seu registro civil.
Inicialmente, necessário um exame mais profundo sobre a questão polêmica debatida nestes autos.
Recorro a reflexões de entendidos na matéria, tanto no campo teórico quanto no científico, sobre a TRANSEXUALIDADE e sua identidade sexuada.
Cláudio Moojem Abuchaim, Ana Luiza Galvão Abuchaim e outros assim definem o transexualismo: “Significa que há uma transposição na correlação do sexo anatômico e psicológico, ou seja, a pessoa tem o corpo de um sexo, porém sente-se como pertencente ao sexo oposto. O tratamento psicológico se faz necessário para entender a alteração apresentada e apenas em alguns casos específicos será indicada a cirurgia de alteração do sexo, a qual só se faz após cuidadosa avaliação psicológica e física da pessoa”. (ABUCHAIM, Cláudio Moojem, Transtorno de Identidade de Gênero - Transexualismo.
Disponível em www. abcdocorposalutar.com.br, acesso em 01.03.2004).
Os psiquiatras e psicólogos fazem esse diagnóstico através de vários contatos e conversas com o paciente, para determinar corretamente seus sentimentos.
“Por isso é importante diferenciar o transexualismo do tranvestismo/travestismo e homossexualidade. No transvestismo a pessoa não sente que sua identidade de gênero está trocada (por exemplo, homem com corpo de homem sentindo-se homem), mas usa roupas do sexo oposto com objetivo de ter prazer erótico, para se excitar. Apenas em casos em que a pessoa passa a se vestir como mulher a maior parte do tempo e ter dúvidas e sofrimento em relação a sua identidade de gênero
é que se deve pensar que possa haver transexualismo latente. Já no homossexualismo, a pessoa também se sente adequada quanto à determinação de seu sexo (tem corpo de homem, sente-se homem), porém tem atração afetiva e erótica por outra pessoa do mesmo sexo que ela” (Transcrição do mesmo trabalho acima citado).
Trago à colação trecho do acórdão da Quinta Câmara da Seção de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Cível nº 165.157.4/5, Apelante: XXXXX***, Apelado: Ministério Público, Rel. Des. Boris Kauffmann, data do julgamento: 22/03/2001, votação unânime), que bem analisou a questão:
“Pedro Jorge Daguer, em sua tese de mestrado apresentada ao Instituto de Pós-Graduação Psiquiátrica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, citado por Antônio Chaves, esclarece que “por transexualismo masculino entende-se a condição clínica em que se encontra um indivíduo biologicamente normal (...) que, segundo sua história pessoal e clínica, e segundo o exame psiquiátrico, apresenta sexo psicológico incompatível com a natureza do sexo somático” (“Direito à vida e ao próprio corpo”, Ed. Revista dos Tribunais, 1994, pág. 141). Aracy Augusta Leme Klabin também define o transexual dessa forma: “é um indivíduo, anatomicamente de um sexo, que acredita firmemente pertencer ao outro sexo” (“Transexualismo”, in Revista de Direito Civil, vol. 17, pág. 27).
O transexual não se confunde com o travesti ou com o homossexual. No tranvestismo, a característica principal é o uso de roupagem cruzada, por fetichismo ou por defesa; no homossexualismo, a identificação é feita pelo relacionamento sexual com pessoas do mesmo sexo. Também não se confunde com o hermafroditismo verdadeiro ou com o pseudo-hermafroditismo. Esclarece, a respeito, Carlos Fernandez Sessarego: “El primero de ellos, como lo señala la literatura especializada es
um síndrome que se caracteriza “por la presencia simultánea, em el mismo indivíduo, de la gónada masculina y de aquella femenina”, cuya coexistência “influye, de modo variable, sobre la conformación de los genitales externos, el aspecto somático y el comportamiento síquico. El seudo- hermafroditismo, tanto masculino como femenino, representa la carencia, en un mismo individuo, de homogeneidad entre los órganos genitales externos y el sexo genético. Esta situación se diferencia
del transexualismo en tanto en éste no se presentan anomalías a nivel de la gonoda o en lo que atañe a los genitales externos” (El cambio de sexo y su incidencia em las relaciones familiares”, in Revista de Direito Civil, vol. 56, pág. 7).
Costuma-se, além disso, distinguir o transexual primário do secundário. “O primário compreende aqueles pacientes cujo problema de transformação do sexo é precoce impulsivo, insistente e imperativo, sem ter desvio significativo, tanto para o transvestismo quanto para o homossexualismo. É chamado, também de esquizossexualismo ou metamorfose sexual paranóica. O secundário(homossexuais transexuais) compreende aqueles pacientes que gravitam pelo transexualismo somente para manter
períodos de atividades homossexuais ou de transvestismo (são primeiro homossexuais ou travestis).
O impulso sexual é flutuante e temporário, motivo pelo qual podemos dividir o transexualismo secundário em transexualismo do homossexual e do travesti” (Aracy Klabin, “Aspectos jurídicos do transexualismo”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Paulo, vol. 90, 1995, pág. 197). Pode-se afirmar, portanto, que no transexual secundário, o transexualismo é o meio para a atividade homossexual ou de transvestismo, ao passo que no transexual primário, o transexualismo é o próprio fim.
Essa cisão entre o sexo somático e o sexo psicológico poderia indicar a terapia como tratamento para ajustar este último ao primeiro. No entanto, destaca Matilde Josefina Sutter ser “inócua qualquer tentativa no sentido de reconduzir psicologicamente o transexual ao sexo anatômico, uma vez que todas as técnicas psicoterápicas se mostram absolutamente ineficazes, nesse sentido, possivelmente devido à falta de cooperação do paciente, que rejeita o tratamento”. E prossegue:
“Afirmamos em outra ocasião, que nenhum argumento é capaz de demovê-lo, pois o transexual, em geral, na prática, não admite discutir essa situação, só o fazendo com vistas à mudança de sexo. Esta lhe é tão necessária que absorve todo o seu interesse, de modo a impedir o seu desenvolvimento pessoal’. O transexual se ofende e se revolta quando lhe indicam tratamento psicoterápico” (“Determinação e mudança de sexo - aspectos médico-legais”, ed. Revista dos Tribunais, 1993, pág. 115).
Esta insistência e imperatividade de ajuste sexual, característica do transexual primário, aliada à inocuidade do tratamento psicoterápico, é que levou muitos países a admitir o caminho inverso: a mimetização do sexo morfológico, procurando adequá-lo ao sexo psicológico, eliminando assim a causa da repulsa que conduz invariavelmente ao suicídio e à auto-mutilação. Para o transexual primário, a solução é cirúrgica, como a realizada pelo autor, com eliminação do pênis e do escroto
e a construção de uma neo-vagina e vulva, além da implantação de próteses de silicone nas mamas, para dar aparência feminina, e eliminação do pomo de XXXXX, para retirar qualquer resquício do sexo morfológico”.
A esse respeito o Dr. Paulo Roberto Ceccarelli, Doutor em Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela Universidade de Paris VII, aduzem: “O sofrimento psíquico do transexual se encontra no sentimento de uma total inadequação entre, de um lado, a anatomia do sujeito e seu “sexo psicológico” e, de outro lado, este mesmo “sexo psicológico” e sua identidade civil. Essas pessoas, cujo sentimento de identidade sexual não concorda com a anatomia, manifestam uma exigência compulsiva, imperativa e inflexível de “adequação do sexo”, expressão utilizada pelos próprios transexuais; como se elas, face a esta convicção de incompatibilidade entre aquilo que são anatomicamente e aquilo que se sentem ser, se encontrassem num corpo disforme, doente e monstruoso. Um tal sentimento pode chegar ao ponto de levar
o sujeito à auto-emasculação e até mesmo ao suicídio. À reivindicação de “adequação do sexo”, segue-se a mudança do nome e a de retificação da certidão de nascimento” (CECARRELI, Paulo Roberto. Transexualismo e identidade sexuada. Disponível em: www.ceccarelli.psc.br/artigos/portugues/h tml/transsexualiasmo.htm. Acesso em: 01/03/2004).
Transcrevo, também, trabalho apresentado por Ivana Santos Rocha e Márcia Araújo Ferraz de Castro, da disciplina Bases Psicológicas da Sexualidade e Reprodução Humana, da FACINE, cujo professor é o Dr. Noronha Filho: “O transexualismo refere-se a uma crise de identidade sexual onde o indivíduo possui cromossomos,
genitais e hormônios de um sexo, mas tem a certeza, a convicção íntima que pertence ao outro sexo. A infelicidade causada por essa insatisfação leva à tentativas de auto-mutilação e suicídio.
Descobertas científicas apontam para um problema genuinamente médico, que nada tem haver com preferências sexuais.
A causa refere-se a uma divergência trágica entre a programação sexual do cérebro e o formato das genitais. A medicina registrou o chamado “transtorno de identidade sexual” no código internacional de doenças. Essa crise de identidade atinge uma em cada 10 mil pessoas identificadas ao nascer como meninos e uma em cada 30 mil registradas como meninas.
Um caso de transexualismo abala a dinâmica familiar. Os pais vêem os seus sonhos frustrados, não compreendem o comportamento dos filhos, ficam perdidos e confusos diante desta situação. Os filhos, por sua vez, não entendem por que precisam se vestir de maneira masculinas, buscam maquiagem e roupas de mãe, não se interessam por carros, futebol... as meninas por outro lado, acham normal andar sem camisa, preferem esportes abrutalhados em detrimento a casinhas, bonecas.
Em relação à vida amorosa, esta tornar-se complicadíssima: os transexuais rejeitam o rótulo de homossexuais e escondem os órgãos genitais na hora do sexo.
Atualmente, sabe-se que essa síndrome pode ser aplacada por tratamento cirúrgico. Essa cirurgia só deve ser realizada após dois anos de avaliação e acompanhamento psicológico dos pacientes, logo, os hospitais que desejam oferecer o procedimento devem formar um corpo multidisciplinar para atender esses pacientes: cirurgiões, endocrinologistas, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e sexólogos. (. . .)
Uma questão importante desse procedimento refere-se à questão do prazer. A maioria dos operados aprova o resultado e dizem sentir prazer com o seu novo órgão sexual. A cirurgia é delicada e envolve riscos como incontinência urinária e formação de feridas nos lábios vaginais causadas por má circulação. É necessário um acompanhamento psicológico, social e jurídico” (ROCHA, Ivana Santos e CASTRO, Márcia Araújo Ferraz de, da disciplina Bases Psicológicas da Sexualidade e Reprodução Humana, da Facine. Disponível em http://hosting.pop.com.br/glx/casadamaite /sexualidade/trans/ direito/dir16.html. Acesso em 02/03/2004 - sic).
Pelo que percebo, os transexuais não se consideram homossexuais, antes têm a plena convicção de pertencerem ao sexo oposto. E a abordagem unicamente psicológica não é considerada uma alternativa razoável, já que tem se mostrado incapaz de ajudar os transexuais a aceitar o seu sexo biológico. Efetivamente o transexual não deseja mudar os seus sentimentos ou tendências.
O tratamento destes pacientes é mais complexo que a mera mudança física.
O Dr. Rui M. Xavier Vieira, Professor Auxiliar de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Lisboa, Assistente Hospitalar graduado de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria e Coordenador da Consulta de Sexologia do H.S.M. Lisboa, em trabalho recente, publicado em 16.06.2003, assim se expressou na parte de considerações terapêuticas:
“Antes de mais, é necessário assegurar que existe uma vontade decidida e persistente de mudança, submetendo-se o doente a um período de prova antes da cirurgia, durante dois anos, para assegurar se estão reunidos os requisitos diagnósticos necessários para iniciar o processo de reatribuição sexual. Durante este tempo, e nas sucessivas e distintas etapas por que vai passando até à reatribuição sexual definitiva, medidas psico-educacionais podem ser úteis para ajudar a pessoa a lidar e a comportar-se no seu novo papel, ao mesmo tempo que se avalia a capacidade de se adaptar ao seu novo estilo de vida, a nível psicológico, social, laboral e familiar.
Nos casos de transexualismo primário feminino, é feita terapêutica com testosterona com o objetivo de se assistir a uma androgenização progressiva com aumento da massa muscular e da pilosidade do corpo, o engrossar da voz e a diminuição do tecido adiposo. Os processos cirúrgicos são feitos por etapas e consistem na mastectomização bilateral e numa fase posterior na histerectomia com oforectomia seguida de faloplastia.
No transexualismo primário masculino, que é a situação mais freqüente na grande maioria dos outros países e a que mostra resultados definitivos mais favoráveis, são administrados estrogéneos para se obter uma feminização progressiva com aumento das mamas e a aquisição de outros contornos femininos como o aumento do tecido adiposo, a diminuição da massa muscular, a alteração da voz e é feita a remoção dos pêlos corporais.
A técnica cirúrgica consiste na extirpação dos testículos e do corpo esponjoso do pênis com vaginoplastia” (VIEIRA, Rui M. Xavier Vieira, Transexualismo: da Clínica ao Diagnóstico. Revista II Curso Pós- Graduado em Sexualidade -1ª parte. Disponível em www.fm.ul.pt/public/pdfs2003/32003/p123.pdf, acesso em 09.03.2004). E, conforme anotado abaixo, o Conselho Federal de Medicina autoriza essa cirurgia, nos seguintes termos e condições (Resolução CFM nº 1.482/97): “1- Autorizar, a título experimental, a realização de cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia, neofaloplastia e ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo”;
2- A definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados:
- desconforto com o sexo anatômico natural:
- desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio
sexo e ganhar as do sexo oposto;
- permanência desse distúrbio de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;
- ausência de outros transtornos mentais.
3- A seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico-psiquiatra, cirurgião, psicólogo e assistente social, obedecendo aos critérios abaixo definidos, após dois anos de acompanhamento conjunto:
- diagnóstico médico de transexualismo;
- maior de 21 (vinte e um) anos;
- ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia;
4- As cirurgias só poderão ser praticadas em hospitais universitários ou hospitais públicos adequados à pesquisa.
5- Consentimento livre e esclarecido, de acordo com a Resolução CNS nº 196/96;
6- Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

Brasília-DF, 10 de setembro de 1997” (Publicada no D.O.U. de 19.09.97, página 20.944, Transexualismo - Resolução CFM nº 1482/97, disponível em www.cfm.org.br/ResolNormat/ Alfabetica/Transexualismo.htm, acesso em 01/03/2004).
Importante ressaltar que a Resolução nº 1.482/97 do Conselho Federal de Medicina, vigente na época da cirurgia da embargante, encontra-se hoje revogada pela Resolução nº 1.652/02, que prevê disciplina semelhante no que tange à cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia.

Desenvolvendo toda essa caminhada de conceitos e soluções para a espécie no campo científico, não posso imaginar que o Direito e a Justiça cerrem os olhos para o tema. Há que ter uma solução.
O requerente nasceu homem e assim foi registrado em razão da aparência física. Logo a experimentar a vida, desde tenra idade, mostrou-se mulher. Suas atitudes sempre foram de mulher.
O quadro de transexualismo do embargante, ainda adolescente, era tão forte que recebeu o diagnóstico de CID F.64-0 (identifica o quadro de transexual que define como “um desejo imenso de viver e ser aceito como do sexo oposto”).
Revelando sua transexualidade e não homossexualidade, o embargante nunca manteve relação sexual e qualquer apetite por uma mulher. Só relacionou-se com homens e há 10 (dez) anos convive com um.
Para regularizar sua situação procurou por 04 (quatro) anos de tratamento psicológico, psicoterápico e psiquiátrico. Após muitos estudos e exames, conseguiu o seu intento, qual seja, a autorização cirúrgica para a mudança do sexo. Para essa cirurgia foram tomados todos os cuidados determinados pelo Conselho Federal de Medicina.
Afinal, em 28.02.2001 foi realizada a cirurgia de alteração de sexo, com sucesso. Segundo se enxerga dos autos, os problemas emocionais e psicológicos do embargante foram solucionados: tornou-se uma pessoa realizada e se identificou com sua personalidade feminina, passando a ter relações sexuais normais, completas e com prazer.
Agora para completar sua felicidade e acabar com as inconveniências de ter nome e documentos masculinos e ser mulher, deve, como pede, ter o prenome XXXXX e o sexo feminino constar no seu registro civil.
Tudo está devidamente comprovado nos autos. Negar, nos dias atuais, não o avanço do falso modernismo que sempre não convém mas, a existência de um transtorno sexual reconhecido pela medicina universal, seria pouco científico.
Relevantes, para a compreensão do presente caso, as lições de José Carlos Teixeira Giorgis, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, in verbis: “Embora ainda tratado como fato social indiferente ou mesmo com preconceito, o transexualismo representa um fenômeno recorrente da vida moderna, sendo hoje considerado como um Transtorno da Identidade de Gênero (TIG), ou seja, um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto, que se acompanha por um sentimento de mal-estar ou de inadaptação por referência a seu sexo anatômico e do desejo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica ou a um
tratamento hormonal a fim de tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao sexo desejado, segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID)”. (...)
No âmbito penal, mais tarde, entendeu-se que o crime não ocorria, pois se cuidava de expediente reparador, uma correção de um problema de saúde, uma cura de anomalia, onde o consentimento funciona como causa autônoma de exclusão da ilicitude, invocando-se o regular exercício de direito para afastar a antijuridicidade do ato médico.
Atualmente tramita no Congresso Nacional projeto de Lei que busca regulamentar a cirurgia de alteração de sexo e posterior mudança no registro civil (PL nº 70-B/95, autor Dep. José Coimbra) (...)
Em primeiro, a eficácia do sempre festejado princípio da dignidade da pessoa humana, que se constitui no pilar de todo o ordenamento jurídico nacional e que faz qualquer indivíduo merecedor da consideração do Estado, como sujeito de direitos e titular do respeito comunitário (CF, artigo 1º, §III).
Depois, a Lei dos Registros Públicos, que aceita a mudança dos prenomes em certas situações (Lei nº 6.015/73), o que resta agora sufragado pelo vigente Código Civil, que garante a todos o direito ao nome, nele compreendidos o nome e o sobrenome (CC, artigo 16), além, ainda, da aplicação de outros axiomas constitucionais como os princípios da igualdade, da intimidade, da vida privada e da imagem individual (CF, artigo 5º, caput, X).
Com tais alicerces, o Tribunal do Rio Grande do Sul, de forma pioneira e diversamente do que acontece em outros respeitáveis pretórios pátrios, tem albergado as postulações dos que, submetidos à cirurgia de transgenitalização, buscam a correspondência de uma nova identidade civil, afastando a possibilidade de inúmeros problemas derivados da veracidade do conteúdo do registro feito quando do nascimento.
Assim embora a pessoa biológica e somaticamente se mantenha no sexo original, é possível solução alternativa que, mediante averbação, se anote que a pessoa modificou o seu prenome e passou a ser considerado como do sexo feminino em virtude de sua transexualidade, sem impedir que alguém possa tirar informações a respeito (APC 595.178.963, julgada em dezembro de 1995).
Por outro lado, o fato de ser a parte autora da ação uma transexual e exteriorizar tal orientação no plano social, vivendo publicamente como mulher, sendo conhecido por apelido que constitui prenome feminino, está justificada a pretensão já que o nome registral está em descompasso com àquela identidade, sendo capaz de levar seu usuário a situações vexatórias ou de ridículo (ACP 70.000.585.836, julgada em 31-5- 2000).
Como se vê, em pleitos em que se busca a retificação do prenome para adequação às operações realizadas após o lapso ordenado pelo Conselho Federal de Medicina, a posição majoritária da jurisprudência gaúcha tem sido a de compreender estas novas realidades sociais, permitindo que seus titulares obtenham a sua redesignação sexual, pois o registro público, além do efeito constitutivo, tem outros comprobatórios e publicitários, sendo preciso afastar-se de uma vocação estritamente legalista ou de conselho religioso, para enfrentar os desafios do tempo moderno.” (GIORGIS, José Carlos Teixeira. O transexualismo e o direito. Seleções Jurídicas, Rio de Janeiro, Fev. 2004)
Não pode o juiz, no caso trazido aos autos, ficar à margem da análise da dignidade da pessoa humana, que consiste em um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, previsto no art. 1º, §III, da Constituição da República.
Ingo Wolfgang Sarlet define analiticamente a dignidade da pessoa humana com “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem à pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venha a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.” (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2001, p. 60)
André Gustavo Corrêa de Andrade doutrina, com brilhantismo, acerca da dignidade da pessoa humana e sua concretização judicial: “No centro do direito encontra-se o ser humano. O fundamento e o fim de todo o direito é o homem, em qualquer de suas representações: (...) Vale dizer que todo o direito é feito pelo homem
e para o homem, que constitui o valor mais alto de todo o ordenamento jurídico. Sujeito primário e indefectível do direito, ele é o destinatário final tanto da mais prosaica quanto da mais elevada norma jurídica”. (...)
Por essa razão, todos os princípios constitucionais encontram sua razão e origem no homem, fundamento de todo o dever-ser. E, justamente por ser fundamento, o homem não constitui, em si, um princípio, pois o fundamento não é um princípio, mas a justificação radical dos próprios princípios. A humana condição não fundamenta e justifica o que é, mas o que deve ser, tanto no campo da moral como no do direito.
No plano jurídico, como em tudo mais, o homem é medida de todas as coisas.’ A finalidade última do direito é a realização dos valores do ser humano. Pode-se, pois, dizer que o direito mais se aproxima de sua finalidade quanto mais considere o homem, em todas as suas dimensões, realizando os valores que lhe são mais caros. (...)
Chegando a Constituição Federal a 15 anos de vigência, ainda é relativamente escassa na nossa jurisprudência a aplicação explícita do princípio da dignidade humana. Isso é conseqüência, dentre outras razões, da tendência dos juristas dos países integrantes da família romano-germânica em ver o direito como um ordenamento fechado de normas escritas, aplicáveis mediante um processo interpretativo de subsunção do fato à norma (rectius, ao texto normativo), como se essa já trouxesse consigo o seu próprio sentido.
Há uma considerável dificuldade em aceitar que os princípios, explícitos ou implícitos, também constituem normas jurídicas. A doutrina moderna substituiu a clássica oposição entre princípios e normas pela distinção entre princípios e regras. Ambos (os princípios e as regras) constituem espécies distintas de normas jurídicas, embora com características diferenciadas.
É importante salientar que os princípios constituem o fundamento ou a razão de ser das regras jurídicas, o que, desde logo, salienta a procedência daqueles sobre estas. Os princípios possuem aquilo que CANOTILHO denomina de natureza normogenética, de fundamentação das regras, que nada mais são do que aplicações ou concreções daqueles.
A escassez de decisões fundadas no princípio da dignidade humana deve-se, também, certamente, ao receio do operador do direito de que, ao aplicar princípio de tamanha abstração e indeterminabilidade, esteja a invadir terreno que supõe pertencente ao poder político. Enquanto as regras a (aparente) sensação de que se pisa em terreno firme e próprio, os princípios, com sua textura aberta, deixam a impressão de que se está a pisar em terreno movediço e alheio. Como resultado, o julgador, freqüentemente, realiza uma interpretação valorativa e mecânica dos textos, descomprometida dos ideais de justiça incorporados na Constituição.
O julgador não deve supor que, por não exercer um mandato popular, lhe falte legitimidade para, no julgamento de um caso concreto, afastar alguma norma infraconstitucional em prol da aplicação de um princípio constitucional, como o da dignidade humana. A legitimidade decorre não apenas da origem daquele que exerce o poder, mas, principalmente, da forma como tal poder é exercido. Assim, desde que a decisão seja proferida com vistas ao atendimento do interesse público
e esteja devidamente fundamentada e legitimada estará a conduta do juiz.
A doutrina abandonou antiga concepção que via os princípios constitucionais como simples aspirações morais ou programas políticos, sem força normativa. Uma tal concepção aceitava como fatalidade a idéia, expressa por FERDINAND LASSALE, de que as questões constitucionais não são jurídicas, mas de natureza política, razão pela qual há uma constituição real - composta pelos denominados fatores reais e efetivos de poder, imperantes na realidade social - que não corresponde
necessariamente à constituição escrita, mera folha de papel’. Essa idéia era a própria negação do Direito Constituição enquanto ciência jurídica.
A Constituição deve resgatar a sua normatividade através de um trabalho de interpretação que, sem ignorar os fatos concretos da vida, consiga concretizar de forma excelente’ os seus princípios.
Para que o princípio da dignidade humana não constitua uma promessa não cumprida e não se desvaneça como mero apelo ético’ é fundamental sua concretização judicial, através de um constante e renovado trabalho de interpretação/aplicação, que busque dar ao princípio a máxima efetividade. (...)
Se SCHOPENHAUER estava certo sobre a motivação principal e fundamental do homem (o egoísmo), muitas outras questões envolvendo ofensas à dignidade ainda serão trazidas ao Poder Judiciário. Em todos os casos, caberá ao julgador, na dignidade do exercício de sua função, buscar a defesa e a concretização do princípio constitucional que exige o respeito à dignidade inerente a todo ser humano.” (ANDRADE, André Gustavo de. O princípio fundamental da dignidade humana e sua concretização judicial. Revista de Direito do Tribunal de Justiça, Rio de Janeiro, nº 58, jan./mar. 2004)
Trago à colação, ainda, trecho do voto do relator da apelação, Des. Almeida Melo: “Walter Ceneviva (Lei de Registros Públicos Comentada, 8ª edição, Saraiva, 1993, São Paulo, p.115) transcreve, em sua obra, parte do acórdão nº 154.678, proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em que se consigna:”
“Não se deve confundir a retificação do prenome com a sua mudança, nem mesmo com alteração propriamente dita. Na mudança substitui-se, na alteração modifica-se o que era certo e definitivo, sem qualquer eiva de erro.”
Ensina, também, Walter Ceneviva que, no requerimento, alegando exposição ao ridículo, o interessado deve: “a) afirmar que o prenome o submete ao riso e ao escárnio dos demais; b) explicar porque, subjetivamente, sente-se ridículo; c) comprovar, no seu meio social, o afirmado ridículo” (f. 115).
Em verdade, a causa do constrangimento, alegada pelo apelado, não é o seu prenome, que é adequado a seu sexo, mas, sim, a falta de correspondência entre a atual aparência e seu sentimento psicológico”.
Por bem expor a situação tratada nos autos, transcrevo trecho constante das razões recursais (f. 143-145):
“Conforme ensina o Des. e Prof. Renan Lotufo, comentando o art. 16 do novo Código Civil, o prenome por ter fundamento constitucional na dignidade da pessoa humana não pode expor a pessoa ao ridículo, à galhofa da sociedade, - de tal como tem acontecido com o Embargante e foi reconhecido até pelo v. voto vencedor:
“A excepcional imutabilidade do prenome” decorre do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana. Se, por acaso, a atribuição do nome causa a afetação da dignidade da pessoa humana, prevalece o valor mais alto, em face do princípio da imutabilidade dos registros.
...Há de se destacar que só o prenome pode expor o indivíduo ao ridículo, como também a combinação de todo nome. O nome, por ser elemento fundamental de identificação do indivíduo, não pode expô-lo à galhofa da sociedade”.
Afirma MARIA CELINA BODIN DE MORAES que o nome não pode expor a pessoa a humilhações e achincalhes tais como os que sofrem, há anos o Embargante: “a utilização, por outro lado, será proibida quando servir a expor a pessoa a humilhações, ou quando tiver havido intuito de achincalhar’; É o que prevê o art. 17 do CC: “ o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória”. (...)
Na linha do precedente do Colendo STJ, prossegue MARIA CELINA BODIN DE MORAES para depor que: “com freqüência se vê nos votos permissivos da alteração de prenome de que a ¿a alteração permitida não é apenas com relação ao nome em si, suscetível de expor o ridículo o seu portador, mas ao nome ligado circunstâncias particulares, nas quais se pode atender ao elemento psicológico do interessado”. (...)
O art. 58, caput e parágrafo único, dessa Lei 6.075/73, foram alterados pela promulgação da Lei 9.708 de 19.11.1998, amenizando a terminologia anterior sobre a modificação do prenome, ao substituir a expressão “imutável” por “definitivo”:
Art. 58 - O prenome será DEFINITIVO, admitindo-se, todavia, a SUA SUBSTITUIÇÃO POR APELIDOS PÚBLICOS NOTÓRIOS. (Artigo, caput, com redação dada pela Lei nº 9.708, de 19.11.1998).
Ora, DENTRO DA POSSIBILIDADE ACRESCIDA PELA LEI 9.708 DE 19/11/1998 DO PRENOME PODER SER “SUBSTITUÍDO POR APELIDOS PÚBLICOS E NOTÓRIOS”, ESTÁ AÍ MAIS UMA JUSTIFICATIVA QUE VIABILIZA O PEDIDO INAUGURAL E O TORNA LEGALMENTE POSSÍVEL PORQUE O EMBARGANTE SEMPRE FOI CONHECIDO POR TODAS AS PESSOAS COM AS QUAIS SE RELACIONA, DESDE O TRABALHO, EM CASA, NA FAMÍLIA, JUNTO AOS VIZINHOS E PELOS AMIGOS, COMO XXXXX”.
Ante o exposto, acolho os embargos e nego provimento à apelação. Como não restou determinado na sentença a publicação do edital, que é indispensável, e como a decisão é constitutiva com reflexos “ex nunc”, ou seja, “ad futurum”, determino a publicação do acórdão para conhecimento de terceiros.

O Sr. Des. Almeida Melo:
VOTO

No julgamento do Agravo de Instrumento nº 82.517-7 - São Paulo (AgRg), relator o Min. Cordeiro Guerra, julgado em 28 de abril de 1981(R.T.J 98-1, p. 193), o Supremo Tribunal Federal acatou o v. acórdão recorrido, do eg. Tribunal de Justiça de São Paulo: “Sendo o autor incontroversamente do sexo masculino, ainda que agora emasculado (autêntico eunuco), incabível se afigura a alteração do “prenome, para passar a identificar-se, nos atos da vida civil, por seu pseudônimo, ou designação artística, de caráter nitidamente feminino e restrito”.
O Tribunal paulista havia invocado a doutrina de Caio Mário da Silva Pereira: “O estado da pessoa é seu modo particular de existir, sua condição individual na sociedade, da qual derivam direitos e obrigações”.
“Realmente, todo indivíduo é titular de um complexo de qualidades - que lhe são particulares, e que integram a sua personalidade, dando nascimento a uma situação jurídica” (cf. Planiol e Ripert)”.
“Distinguindo-o de outras qualidades, Glüuk o conceituou como qualidade que adere imediatamente ao sujeito, e que a ele não é pertinente em razão de ser titular de um direito subjetivo”.
“Diz-se, de qualquer um, que é fulano, ou “beltrano”; solteiro, casado, viúvo, separado, ou divorciado; maior ou menor; nacional ou estrangeiro; filho legítimo, ilegítimo ou adotivo; do sexo masculino ou feminino. São atributos que fixam a condição do indivíduo na sociedade, e se, por um lado, constituem fonte de direitos e de obrigações, por outro lado, fornecem os característicos personativos pelos quais se identifica a pessoa, ou, como diria Savatier fornecessem a “classificação”
que a sociedade faz do indivíduo”.
Fiz questão de transcrever este trecho para salientar que supervenientemente o atributo do filho legítimo e do adotivo não mais se aplicam tendo em vista a Constituição de 1988.
Citou-se a Corte de Cassação francesa segundo a qual”o estado consiste nas relações que a natureza e a lei civil estabelecem, independentemente da vontade das partes, entre um indivíduo e aqueles de quem recebem o nascimento”:
“O estado, pois, constitui uma realidade objetiva, de que cada um é titular, e que usufrui com exclusividade. Seus atributos são pessoais e de sua essência é irrenunciável. A incindibilidade total e absoluta de alguns desses atributos, tais como o sexo, idade, filiação, é unanimemente proclamada pela doutrina e pela jurisprudência”.
“Particularizando o problema “sub júdice”, acrescente-se que o sexo designa a condição orgânica distintiva do macho e da fêmea. Praticamente, a determinação do sexo, ou o seu diagnóstico, resulta dos próprios órgãos genitais e dos caracteres sexuais exteriores e secundários. Nos domínios do direito, o sexo é dominante elemento de identidade (estado), por isso mesmo irrenunciável e indisponível.”
No caso do precedente, a parte processual fora submetida a exame clínico do qual resultou que se tratava de pessoa do sexo masculino, que não traria, sequer, as marcas do pseudo-hermafroditismo. Era indivíduo androginóide masculino, homossexual, de comportamento, hábitos, impulso sexual, caráter e sensibilidade, fortemente femininos. Tinha os genitais externos masculinos, com pênis algo hipoplástico, bolsas escrotais bem conformadas, tendo, em cada lado, testículos de volume normal e consistência pouco amolecida. Palpavam-se canal deferente e demais constituintes do conduto inguinal. Toque retal revelou presença de próstata de volume e consistência normais. Não foi constatada qualquer estrutura que pudesse sugerir útero. Não possuindo órgãos genitais internos femininos, é manifesto que o ato cirúrgico de ablação do pênis, escroto e testículos não o “transformou” em pessoa do sexo feminino, tanto quanto não o faria com alguém que houvesse atingido o mesmo resultado através de simples traumatismo (acidente). Seu genótipo continua sendo masculino, nada significando o seu aspecto externo, conseguido artificialmente, mediante a implantação de órgão externo aparentemente feminino. Apurou que “nenhum é seu direito subjetivo capaz de alcançar a tutela jurisdicional pretendida, mesmo porque a definição do sexo não é ato de opção, mas simples determinismo biológico, que se estabelece nos primeiros tempos da gestação”.
O sexo integra os direitos da personalidade e não existe previsão de sua alteração; a identidade sexual deve ser reconhecida pelo homem e pela mulher, por dizer respeito à afetividade, à capacidade de amar e de procriar, à aptidão de criar vínculos de comunhão com os outros. A diferença e a complementação físicas, morais e espirituais estão orientadas para a organização do casamento e da família. A diferença sexual é básica na criação e na educação da prole. Embora homem e
mulher estejam em perfeita igualdade, como pessoas humanas, são também iguais em seu respectivo ser-homem e ser-mulher. A harmonia social depende da maneira como os sexos convivem a complementação, a necessidade e o apoio mútuos.
Um conceito analógico, como o da personalidade moral em relação à personalidade natural, haveria de ser definido por lei, tão fortes são os impactos sociais. Não pode o juiz atribuir lacuna ao que é silêncio eloqüente da lei.
A identidade psicológica é um aspecto subjetivo da personalidade. A identidade biológica é o elemento objetivo e social que perfaz o registro do estado individual. Enquanto o estado civil ou político pode ser mudado, o estado individual, além de inalienável e imprescritível, é imutável.
Como os sexos são iguais, não serão discriminados, mediante a averbação do procedimento plástico. Não será possível que o Estado aparelhe quem nasceu homem, da identidade de mulher, para que se apresente como mulher.
A satisfação egocêntrica não deve comprometer a ordem bem como captar, indevidamente, contra a natureza, a vontade das pessoas de boa-fé, que compõem a sociedade juridicamente organizada. É o caso dos que se relacionam com o naturalmente homem e aparentemente mulher no pressuposto desta. Sobre o interesse individual há o coletivo, aquele que vem da tradição que é colhida dos feitos humanos, mas que brota da realidade natural.
Napoleão disse “eu tenho um amo implacável: a natureza das coisas”. Não é preciso haver leis escritas para definir o que brota da natureza.
A síntese de Napoleão pode ser transferida para este caso assim: a lei não precisa definir os fenômenos da natureza, como o gênero biológico dos seres.
Não é preciso definir em lei, o estado físico dos elementos (sólido, líquido ou gasoso) nem a maternidade. Mas, é preciso definir-se o que é pessoa jurídica, conceito análogo à personalidade natural, (segundo a respeitável doutrina - o conceito analógico de personalidade aplicado às pessoas jurídicas, do XXXXX). Por que a analogia é jurídica e, por isso, do mundo a lei. Em outro sentido, não pode a lei chamar de chuva ao vento nem de vida à morte.
A redefinição da natureza - que, geralmente, não é boa, pois a natureza tende a vingar-se - na sociedade organizada pode haver quando a legislação precate contra seus males e atenta para os interesses coletivos, especialmente da imensa maioria de boa-fé, que se encontrará afetada.
A necessidade de atender-se ao reclamo para resolver-se o risco da maledicência ou da zombaria faz-se pela legislação que proíbe discriminar o homossexual, o bissexual e o transgênero, e aplica multa ao infrator (Lei n° 10.948, de 05 de novembro de 2001, do Estado de São Paulo).
Como mencionou o Des. Audebert Delage, em seu voto para a apelação, há necessidade de ampla reestruturação legislativa se for pretendida a mutação jurídica do sexo.
A indicação do fato, no direito estrangeiro, é precária quando não menciona a infra-estrutura normativa que deve precedê-lo.
A ordem social prefere aos direitos íntimos da personalidade, porque o Estado e o Direito são fenômenos fundamentalmente sociais, ou seja, de organização da sociedade.
A falta de lei que disponha sobre a pleiteada ficção jurídica da identidade biológica impede ao juiz alterar o estado individual que é imutável, inalienável e imprescritível. O pedido é juridicamente impossível.

Data vênia, rejeito os embargos infringentes.
O Sr. Des. Hyparco Immesi
Senhor Presidente.

Como Revisor da apelação, meu voto, proferido naquela oportunidade foi, precisamente, o que deu motivo a estes embargos infringentes. Fui voto vencido, como se sabe, e com posicionamento idêntico ao ora proferido pelo ilustre Relator destes embargos. Todavia, por uma questão de zelo, mormente, em matéria tão tormentosa quanto a que estamos a julgar, peço vista dos autos.

SÚMULA

O RELATOR ACOLHEU OS EMBARGOS, O REVISOR OS REJEITOU E O PRIMEIRO VOGAL PEDIU VISTA.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O Sr. Presidente (Des. Carreira Machado):
O julgamento deste feito foi adiado na sessão do dia 15.04.2004, a pedido do Primeiro Vogal, após votarem o Relator, acolhendo os embargos, e o Revisor, rejeitando-os.
Com a palavra o Des. Hyparco Immesi.
O Sr. Des. Hyparco Immesi

VOTO

Participei, na qualidade de Revisor, do julgamento da apelação cível interposta pelo Ministério Público Estadual, em ação de alteração de registro civil ajuizada por XXXXX, julgada procedente pela r. sentença de fl. 45 usque 52, da lavra do eficiente Magistrado Dr. Newton Teixeira de Carvalho, que autorizou “...as modificações almejadas no bojo destes autos. Portanto, e após o trânsito em julgado, expeça-se mandado para alteração do nome do requerente, de “XXXXX” para “XXXXX”,
bem como para modificação na indicação do sexo, de “masculino” para “feminino” (f. 51).
Foi de minha autoria o voto vencido que propiciou a interposição, agora, destes embargos infringentes.
O transexual, - a exemplo do homossexual e do hermafrodita -, é alvo de preconceito, e está, portanto, entre os excluídos sociais.
Excluído, legalmente falando, é todo aquele que está à margem da sociedade, é aquele que não encontra proteção legal específica. O princípio basilar da democracia é o respeito às minorias, e discriminar por sexo, é discriminar por orientação sexual, uma vez que o sexo da pessoa a quem se orienta é que determinará a heterossexualidade, homossexualidade ou bissexualidade. São objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, constitucionalmente garantidos, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, I e IV, CF/88).
Em toda a sociedade que se diz democrática e pluralista, o direito não pode servir como obstáculo, e sim deve ser instrumento de proteção às conquistas e demandas sociais. E, com o devido respeito, há de se fazer desaparecer esse preconceito de que a homossexualidade é um desvio e transtorno sexual e de personalidade. Urge ultrapassar o preconceito, que acaba por rotular a homossexualidade, a transexualidade ou a bissexualidade como inversão, desvio ou anomalia.
Registre-se que o Conselho Federal de Medicina, em 1985, e a Organização Mundial de Saúde, em 1994, excluíram da Classificação Internacional de Doenças o Código 302.0, que, até então, definia a homossexualidade como “desvio e transtorno sexual”.
O desafio que se impõe é reaprender a lidar com o transexual, reconhecendo-o tanto social como juridicamente, afastando de uma vez por todas os preconceitos que ainda insistem em envolver a tormentosa questão.
Na espécie em julgamento, o embargante é um transexual, e, como ensina Antonio Chaves, os transexuais, diferentemente dos homossexuais, “repudiam o sexo para o qual se apresentam “instrumentalmente” dotados, não só pelo seu comportamento, mas, também, biologicamente, usando como recurso extremo, quando o tratamento clínico não resulta eficaz, a providência da cirurgia, no esforço de viver normalmente, integrados ao sexo psíquico ao qual sentem pertencer” (Castração
- esterilização - mudança artificial de sexo, RT 542/11 e 19).
No julgamento da apelação, frisei, como Revisor, que o fato de que, uma vez extirpados os órgãos genitais masculinos e implantados órgãos femininos (neo-vagina e clitóris), não se modificaria biologicamente o sexo de uma pessoa, mas que era viável e necessário adequar seu sexo físico ao psicológico.
Impõe-se a análise da sexualidade humana, como parte do direito da personalidade, que não se limita, apenas, à visualização dos genitais externos de cada pessoa. Merece ser analisado todo um conjunto de fatores, tanto biológicos, como sociais, culturais e familiares, que incidem sobre a vida da pessoa, além do aspecto psicológico e do sofrimento daqueles que aparentemente são o que não querem ser, ou seja, seu sexo, em termos psicológicos, não se adeqüa ao seu sexo aparente (o
biológico).
Pergunta-se: o que é transexualismo?
A resposta é necessária, para que se esclareçam os motivos da pretensão do Embargante. O transexualismo significa a existência de uma transposição na correlação do sexo anatômico e psicológico, ou seja, a pessoa tem o corpo de um sexo, porém, sente- se como pertencente ao sexo oposto. In haec specie, o embargante - transexual masculino - se sentia uma mulher dentro de um corpo de homem e, por isso, fez a cirurgia de “mudança de sexo”. Busca, portanto, adequar seu sexo físico ao psicológico, por apresentar sexo psicológico incompatível com a natureza do sexo somático (físico).
Como ensina Antonio Chaves, os transexuais (diferentemente dos homossexuais) “repudiam o sexo para o qual se apresentam “instrumentalmente” dotados, não só pelo seu comportamento, mas, também, biologicamente, usando como recurso extremo, quando o tratamento clínico não resulta eficaz, a providência da cirurgia, num esforço de viver normalmente, integrados ao sexo psíquico ao qual sentem pertencer” (Castração - esterilização - mudança artificial de sexo, RT 542/11 e 19).
Como também ensina o jurista Heleno Cláudio Fragoso, o transexualismo é uma “anomalia hoje bem característica e conhecida, claramente, distinta de outros fenômenos de intersexualidade, como o homossexualismo e travestismo. Entende-se por transexualismo uma inversão de identidade psicossocial, que conduz a uma neurose reacional obsessivo-compulsiva que se manifesta pelo desejo de reversão sexual integral (...). Assim, o professor John Money, uma das maiores autoridades na
matéria, entende que o transexualismo constitui um distúrbio na identidade do próprio gênero, no qual a pessoa manifesta, com persistente e constante convicção, o desejo de viver como membro do sexo oposto integralmente. Como diz o Doutor Charles L. Ihlenfeld, no transexualismo, o indivíduo sente que nasceu com o corpo errado (The patient feels simply that he was born with the wrong body: thoughts on the treatment of transsexuals, Journal of Contemporary Psychotherapy 6/63, n.
1, 1973). E, por isso, busca desesperadamente realizar a reversão sexual, passando a ter aparência e o status social do sexo oposto” (Transexualismo. Conceito. Distinção do homossexualismo in RT 545/299).
E, como ensina o médico Hilário da Veiga Carvalho, os transexuais “são indivíduos em que o modo de ser e de sentir é absolutamente contrário ao de seu sexo somático (consideram-se um erro da natureza), desde a infância têm esse sentimento de pertencer ao sexo oposto” (Compêndio de Medicina Legal, São Paulo: Saraiva, 1987).
Trago à lembrança que registrei, no julgamento da apelação (e ora reitero), que não pode o Judiciário adotar posição distante da realidade social, de modo a deixar indefinida uma situação que reclama solução.
Transcreve-se, por oportuno, passagem registrada pelo conceituado jurista Rodrigo da Cunha Pereira, em sua obra “A sexualidade vista pelos tribunais” (1ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2000): “...O psicanalista Jurandir Freire, em entrevista ao Jornal do Psicólogo, de abril/95, indagado sobre algumas questões de seu mais recente livro, intitulado Homoerótico, respondeu: Minha proposta é que deixemos de identificar socialmente pessoas por suas preferências sexuais [...] Porque nos interessamos tanto pela preferência sexual das pessoas, a ponto de julgarmos muito importante identificá-las socialmente por este predicado? Quem disse que este mau hábito cultural tem de ser eterno? É isto que, a meu ver, importa. Quando e de que maneira poderemos ensinar, convencer, persuadir as novas gerações de que classificar sócio moralmente pessoas por suas inclinações sexuais é uma estupidez que teve, historicamente, péssimas conseqüências éticas. Muitos sofreram por isso; muitos mataram e morreram por essa crença inconseqüente e humanamente perniciosa’”.
Ainda a propósito da espécie sob julgamento, são trazidos à colação, excertos de acórdão do TJ paulista e, em especial, do voto do Desembargador Boris Kauffmann, no julgamento da Apelação Cível nº 165.157.4/5, em data de 22/03/2001, e que teve a seguinte ementa: “Registro civil. Pedido de alteração do nome e do sexo formulado por transexual primário operado. Desatendimento pela sentença de primeiro grau ante a ausência de erro no assento de nascimento. Nome masculino que, em face da condição atual do autor, o expõe a ridículo, viabilizando a modificação para aquele pelo qual é conhecido (Lei 6.015/73, art. 55, par. único, c.c. art. 109). Alteração do sexo que encontra apoio no art. 5o, X, da Constituição da República. Recurso provido para se acolher a pretensão. É função da jurisdição encontrar soluções satisfatórias para o usuário, desde que não prejudiquem o grupo em que vive, assegurando a fruição dos direitos básicos do cidadão” (Quinta Câmara da Seção de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível nº 165.157.4/5. Apelante: XXXXX *****. Apelado: Ministério Público - Data do julgamento: 22/03/2001. Votação unânime):

1. Cuida-se de ação de conhecimento, tendo por objeto a alteração do assento de nascimento do autor, tanto em relação ao nome como ao sexo. Fundamenta-se no fato de ser transexual, tendo se submetido a cirurgia plástica para adequar seu sexo físico ao psicológico. Com relação ao sexo indicado no assento, formulou pedidos alternativos: a supressão da indicação masculino, substituindo-se por feminino, ou então, por transexual feminino. (...)
Submetido a perícia médica nestes autos, realizada no Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo - IMESC -, constatou-se que o autor apresenta “mamas bem desenvolvidas (com prótese de silicone”, “ausência de genitália masculina” e “presença de neo-vagina e vulva”.
Ao identificar o sexo do autor, o perito, após destacar os vários critérios para tanto, concluiu: “... a mudança do registro do sexo é assunto filosófico, visto a discussão anteriormente feita sobre sexo, pois apesar de seus caracteres morfológicos e até psíquico, geneticamente sempre será do sexo masculino, pela presença dos cromossomos sexuais “XY”, que é imutável, associado à total impossibilidade de procriar, pois não tem testículos e nem ovários (espermatozóides e óvulos respectivamente)” (fls. 49/54). A avaliação psiquiátrica concluiu que o autor tem condições “de assumir plenamente sua natureza feminina”, anotando que, segundo seu relato, com 9 (nove) anos começou a notar as diferenças de atitudes e comportamentos inclinados para a feminilidade, tendo tido seu primeiro namorado aos 12 (doze) anos, e, a partir dos 13 (treze) anos, a vestir-se como se menina fosse (fls. 55/56). A perícia concluiu que o autor é um transexual.
3. Pedro Jorge Daguer, em sua tese de mestrado apresentada ao Instituto de Pós-Graduação Psiquiátrica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, citado por Antonio Chaves, esclarece que “por transexualismo masculino entende-se a condição clínica em que se encontra um indivíduo biologicamente normal (...) que, segundo sua história pessoal e clínica, e segundo o exame psiquiátrico, apresenta sexo psicológico incompatível com a natureza do sexo somático” (“Direito à vida
e ao próprio corpo”, Ed. Revista dos Tribunais, 1994, pág. 141). Aracy Augusta Leme Klabin também define o transexual dessa forma: “é um indivíduo, anatomicamente de um sexo, que acredita firmemente pertencer ao outro sexo” (“Transexualismo”, in Revista de Direito Civil, vol. 17, pág. 27).
O transexual não se confunde com o travesti ou com o homossexual. No tranvestismo, a característica principal é o uso de roupagem cruzada, por fetichismo ou por defesa; no homossexualismo, a identificação é feita pelo relacionamento sexual com pessoas do mesmo sexo. Também não se confunde com o hermafroditismo verdadeiro ou com o pseudo-hermafroditismo.
Esclarece, a respeito, Carlos Fernandez Sessarego: “El primero de ellos, como lo señala la literatura especializada es um síndrome que se caracteriza “por la presencia simultánea, em el mismo indivíduo, de la gónada masculina y de aquella femenina”, cuya coexistência “influye, de modo variable, sobre la conformación de los genitales externos, el aspecto somático y el comportamiento síquico. El seudo hermafroditismo, tanto masculino como femenino, representa la carencia, en un
mismo individuo, de homogeneidad entre los órganos genitales externos y el sexo genético. Esta situación se diferencia del transexualismo en tanto en éste no se presentan anomalías a nivel de la gonoda o en lo que atañe a los genitales externos” (“El cambio de sexo y su incidencia en las relaciones familiares”, in Revista de Direito Civil, vol. 56, pág. 7).
Costuma-se, além disso, distinguir o transexual primário do secundário. “O primário compreende aqueles pacientes cujo problema de transformação do sexo é precoce, impulsivo, insistente e imperativo, sem ter desvio significativo, tanto para o transvestismo quanto para o homossexualismo.
É chamado, também de esquizossexualismo ou metamorfose sexual paranóica. O secundário (homossexuais transexuais) compreende aqueles pacientes que gravitam pelo transexualismo somente para manter períodos de atividades homossexuais ou de transvestismo (são primeiro homossexuais ou travestis).
O impulso sexual é flutuante e temporário, motivo pelo qual podemos dividir o transexualismo secundário em transexualismo do homossexual e do travesti” (Aracy Klabin, “Aspectos jurídicos do transexualismo”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vol. 90, 1995, pág. 197). Pode-se afirmar, portanto, que no transexual secundário, o transexualismo é o meio para a atividade homossexual ou de transvestismo, ao passo que no transexual primário, o transexualismo é o próprio fim.
Essa cisão entre o sexo somático e o sexo psicológico poderia indicar a terapia como tratamento para ajustar este último ao primeiro. No entanto, destaca Matilde Josefina Sutter ser “inócua qualquer tentativa no sentido de reconduzir psicologicamente o transexual ao seu sexo anatômico, uma vez que todas as técnicas psicoterápicas se mostram absolutamente ineficazes, nesse sentido, possivelmente devido à falta de cooperação do paciente, que rejeita o tratamento”.
E prossegue: “Afirmamos em outra ocasião, que nenhum argumento é capaz de demovê-lo, pois o ‘transexual, em geral, na prática, não admite discutir essa situação, só o fazendo com vistas à mudança de sexo. Esta lhe é tão necessária que absorve todo o seu interesse, de modo a impedir o seu desenvolvimento pessoal’. O transexual se ofende e se revolta quando lhe indicam tratamento psicoterápico” (“Determinação e mudança de sexo - aspectos médico-legais”, ed. Revista dos
Tribunais, 1993, pág. 115).
Esta insistência e imperatividade de ajuste sexual, característica do transexual primário, aliada à inocuidade do tratamento psicoterápico, é que levou muitos países a admitir o caminho inverso: a mimetização do sexo morfológico, procurando adequá-lo ao sexo psicológico, eliminando assim a causa da repulsa, que conduz invariavelmente ao suicídio e à auto-multilação. Para o transexual primário, a solução é cirúrgica, como a realizada pelo autor, com a eliminação do pênis e do
escroto e a construção de uma neo-vagina e vulva, além da implantação de próteses de silicone nas mamas, para dar aparência feminina, e eliminação do pomo de Adão, para retirar qualquer resquício do sexo morfológico.
4. O perito concluiu que, apesar das cirurgias a que se submeteu, o autor é, ainda, do sexo masculino. Tal conclusão, como se viu, baseou-se na presença dos cromossomos “XY”.
Sexo, segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, é a “conformação particular que distingue o macho da fêmea, nos animais e nos vegetais, atribuindo-lhes um papel determinado na geração e conferindo-lhe certas características distintivas”.
É evidente que no fim do século retrasado, quando principiou a obrigatoriedade do registro civil, a distinção entre os dois sexos baseava-se na conformação da genitália. Lembra-se, sempre, de antiga propaganda em que duas crianças, um menino e uma menina, olhavam para o interior de sua roupa para ver as diferenças entre eles. Mas, com o desenvolvimento científico e tecnológico, pode-se afirmar que, hoje, existem vários elementos identificadores do sexo, apontando Tereza Rodrigues Vieira os seguintes: o cromossômico ou genético; o cromantínico, o gonádico, o anatômico, o hormonal, o social, o jurídico e o psicológico (“Direito à adequação de sexo do transexual”, in Repertório IOB de Jurisprudência, n. 3/96, pág. 51). Adverte Aracy Klabin que qualquer dos critérios poderia ser tomado isoladamente para determinar o sexo da média das pessoas, podendo, no entanto, qualquer deles falhar em relação a alguns indivíduos (op. cit., pág. 201).
No caso em exame, o único elemento dissonante era o sexo psicológico, pois, como transexual primário, o autor acreditava e acredita firmemente ter o sexo feminino, erroneamente envolvido num corpo masculino, que ele alterou. Como transexual e em face da crença firme do seu sexo feminino, o relacionamento sexual ocorre com pessoas do sexo oposto, ou seja, do sexo masculino, podendo-se dizer que o transexual masculino é um heterossexual, do ponto de vista do sexo psicológico.
5. A Lei n° 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos, deixa evidente que, como regra, o assento de nascimento é inalterável. No art. 58 afirma que “o prenome será imutável”, abrindo exceções ao erro de grafia (art. 58, par. único) e aos nomes capazes de expor a ridículo seus portadores (art. 55, par. único). Permitindo a retificação de qualquer outro elemento do assento, mediante ordem do juiz (art. 109), possível a alteração do sexo. Retificar, aí, está no sentido
de corrigir, superar o erro.
Examina-se, primeiramente, o pedido de alteração do nome.
Adverte Spencer Vampre: “Quando pronunciamos, ou ouvimos um nome, transmitimos ou recebemos um conjunto de sons, que desperta em nosso espírito, e no de outrem, a idéia da pessoa indicada, com seus atributos físicos, morais, jurídicos, econômicos, etc. Por isso é lícito afirmar que constitui o nome a mais simples, a mais geral e a mais prática forma de identificação” (“Do nome civil”, ed. F. Briguiet & Cia., 1935, pág. 38).
Ao ouvirmos o nome “XXXXX”, a idéia que nos é transmitida é de alguém com atributos masculinos, chocando-nos quando essa expectativa não é correspondida. Até hoje chamamos de “XXXXX” o famoso transexual XXXXX, o qual, apesar de ter obtido sucesso em pedido idêntico feito perante a 8ª Vara da Família do Rio de Janeiro, teve sua pretensão desatendida por força do julgamento da apelação interposta contra a sentença da juíza Drª. Conceição A. Mousnier.
É chocante, para qualquer pessoa, referir-se a ele como “XXXXX”, o que pode provocar risos e chacotas. É verdade que essa desconformidade entre o prenome e o aspecto físico somente surgiu em razão das modificações provocadas pela cirurgia plástica e pela forma do autor se vestir e agir no meio social. Mas, como salientou a magistrada citada, “manter-se um ser amorfo, por um lado mulher, psíquica e anatomicamente reajustada, e por outro lado homem, juridicamente, em nada contribuiria para a preservação da ordem social e da moral, parecendo-nos muito pelo contrário um fator de instabilidade para todos aqueles que com ela contactassem, quer nas relações pessoais, sociais e profissionais, além de constituir solução amarga, destrutiva, incompatível com a vida” (transcrição de Antonio Chaves in “Direito à vida e ao próprio corpo”, 1994, pág. 160).
Portanto, ainda que não se admita o erro, não se pode negar que, com o aspecto hoje apresentado pelo autor, o prenome “XXXXX” o expõe a ridículo, autorizada a sua modificação pelo art. 55, par. único, combinado com o art. 109, ambos da Lei n° 6.515, de 31 de dezembro de 1973, inexistindo qualquer indicação de que a alteração objetive atingir direitos de terceiros.
E, tendo em vista que o autor vem utilizando o prenome “XXXXX” pra se identificar, razoável a sua adoção no assento de nascimento, seguida do sobrenome familiar.
A alteração da indicação do sexo necessita exame mais cuidadoso.
Obviamente, como concluiu a perícia, as alterações sofridas pelo autor, com a extração do pênis e do escroto, a construção de uma neo-vagina e vulva, a implantação de próteses de silicone nas mamas e a redução do pomo de XXXXX, isto é, da saliência da cartilagem tireóide, não fizeram do autor uma mulher, no aspecto da capacidade de procriação. Dessa forma, a alteração poderá eventualmente viabilizar um casamento inexistente, se o autor contrair núpcias com um homem, já que, por enquanto, o ordenamento jurídico só reconhece o casamento de pessoas de sexos diferentes. Se se adotar, no entanto, como critério distintivo dos sexos, o psicológico, aí o casamento existiria, mas, se o cônjuge ignorar o fato da transexualidade, quando de sua celebração, poderá ser anulado em virtude de erro essencial (Cód. Civil, arts. 218 e 219, I).
Como o erro no assento não existiu, em princípio a alteração não seria possível. No entanto, não se pode ignorar a advertência feita pelo magistrado Ênio Santarelli Zuliani, em brilhante voto vencido proferido na Apelação Cível n. 052.672-4/6, da Comarca de Sorocaba: “Como a função política do Juiz é de buscar soluções satisfatórias para o usuário da jurisdição - sem prejuízo do grupo em que vive -, a sua resposta deve chegar o mais próximo permitido da fruição dos direitos básicos do
cidadão (art. 5o, X, da Constituição da República), eliminando proposições discriminatórias, como a de manter, contra as evidências admitidas até por crianças inocentes, erro na conceituação do sexo predominante do transexual”. E, mais adiante, aludindo à dubiedade existente no portador da síndrome de identidade sexual, acrescenta: “A medicina poderá aliviar o peso da dubiedade, com técnicas cirúrgicas. O Estado confia que o sistema legal é apto a fornecer a saída honrosa e deve
assumir uma posição que valoriza a conquista da felicidade (‘soberana é a vida, não a lei’, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, in “O aprimoramento do Processo Civil como pressuposto de uma justiça melhor”, AJURIS 57/80), quando livre da ameaça de criar-se exceção ao controle da paz social”.
A tendência que se observa no mundo é a de alterar-se o registro adequando-se o sexo jurídico ao sexo aparente. O jornal “El Mundo”, edição de 18 de março de 2000, anunciou: “Um juez ordena el cambio de nombre del primer transexual operado por la Seguridade Social”. Embora a manchete aluda apenas à mudança do nome, a alteração envolveu também o sexo, esclarecendo que o Juizado n° 21, de Primeira Instância de Sevilha - Espanha -, ordenou a alteração do nome e do sexo
de XXXXX, o primeiro transexual operado na Espanha pela Previdência Social, acrescentando: “La sentença recoge que há quedado debidamente acreditado que XXXXX, antes XXXXX, há ‘assumido y ejercitado desde su infância roles claramente femeninos’, que solo se han manifestado em su comportamiento, relaciones, o forma de vestir, sino que incluso lê llevaron a ‘intentos de mutilación por la adversion y repugnância que sentia hacia sus órganos genitales masculinos, existiendo uma
disociación entre tales órganos y sus sentimientos”.
Já na Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, afirmava-se que a dignidade é inerente a todos os membros da família humana. E a Constituição em vigor inclui, entre os direitos individuais, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 5°, X). Reside aqui o fundamento legal autorizador da mudança do sexo jurídico, pois sem ela, ofendida estará a intimidade do autor, bem como sua honra. O constrangimento, a cada vez que se identifica, afastou o autor de atos absolutamente normais em qualquer indivíduo, pelo medo da chacota. A busca da felicidade, que é direito de qualquer ser humano, acabou comprometida.
Essa preocupação é que levou esta 5° Câmara de Direito Privado a admitir a alteração do nome e do sexo no assento de nascimento de XXXXX, também transexual primário. Afirmou o acórdão - que curiosamente manteve a indicação de “transexual” como sendo o sexo do registrado - que “não se pode deixar de reconhecer ao autor o direito de viver como ser humano que é, amoldando-se à sociedade em que quer fazer parte. E não quer viver o autor como marginalizado, como discriminado,
num estado de anomia e anomalia. Ele quer simplesmente merecer o respeito de sua individualidade, de ser cidadão, um indivíduo comum” (Apelação Cível n° 86.851.4/7, de São José do Rio Pardo, rel. Des. Rodrigues de Carvalho). E tem levado o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao mesmo caminho (RTJRGS 195/356; Apel. Cível 59517893, rel. Des. João Selistre, julg. Em 28/12/95 pela 3ª Câmara Cível A sugestão do Ministério Publico de primeira instância, de se alterar o nome,
mantendo-se, todavia, o sexo masculino, é inadmissível. A integração na sociedade depende da acomodação do registro, sendo eventual ressalva - quer indicando o sexo masculino, quer indicando a condição de transexual - ofensora aos direitos fundamentais. A esse respeito, 2nd Circuit U. S. Coutr of New York admitiu que, segundo a Constituição Americana, os transexuais têm o direito constitucional de manter o sigilo de sua condição. A situação, aqui, é a mesma devido a garantia de resguardo da intimidade.
6. Em conseqüência, o recurso é provido para se determinar que no assento de nascimento n° **.***, lavrado em ** de ********* de **** às fls. *** do livro A-** do Cartório de Registro Civil do ** *********** ** ***********(SP), seja alterado o nome, de “XXXXX ********* ** ***********” para “XXXXX ***********”, bem como a indicação do sexo, de “masculino” para “feminino”.
O caso julgado pelo Tribunal Paulista ajusta-se, como luva, ao em julgamento neste Tribunal. Bastaria a troca dos nomes, no acórdão, de XXXXX, para XXXXX.
Em suma, nada impede que se propicie ao transexual (aqui o embargante), sem violação da lei, uma saída honrosa, viável mediante adequação de seu sexo físico ao psicológico, ou seja, com acomodação do sexo jurídico ao aparente, para que ele melhor possa se integrar à sociedade e haja respeito à sua individualidade, evitando-se, inclusive, ofensa à sua intimidade e honra (CF/1988, art. 5º, inciso X), e que sua frustração e constrangimento acarretem, como tem acontecido, eventual
ato desatinado. Segundo o citado dispositivo constitucional, incluem-se entre os direitos individuais, a inviolabilidade da intimidade, bem como da vida privada e da honra e imagem das pessoas.
Admitida a mudança de sexo, deve passar a constar do respectivo registro civil, a título de indicação do sexo (aqui o do embargante), a condição de “transexual”.
À luz do exposto, e confortado pelo lúcido voto proferido pelo eminente Desembargador Carreira Machado, bem como pela jurisprudência e doutrina jurídica e médica ora transcritas, mantenho o voto que prolatei por ocasião do julgamento da apelação e, em conseqüência, acolho os embargos.

Custas ex lege.
O SR. DES. AUDEBERT DELAGE
Sr. Presidente, ilustres Pares.

Inicialmente, invoco as tradições deste egrégio Tribunal de Justiça e, especialmente, desta Quarta Câmara Cível, para dizer que considero absolutamente despropositada qualquer advertência no sentido de que se deva votar com seriedade e sem chacota em matéria de tão relevante interesse.
Considero, também, que a invocação ao voto sem preconceito é absolutamente desnecessária, porque tanto aqueles que votaram pelo provimento ou improvimento, pelo acolhimento ou pela rejeição do recurso, o fazem - tenho absoluta certeza - cumprindo rigorosamente os preceitos e as tradições de sua consciência e deste Tribunal.
Reporto-me ao voto proferido por ocasião do julgamento da apelação, constante de fls. 121 a 125, dos autos, no qual acompanhei a posição do então Relator, Des. Almeida Melo, por entender que é a que melhor aplica à situação os ditames legais e, ainda, é aquela que atende aos reclames de segurança das relações jurídicas.
Assim, em meio a tantas opiniões e dúvidas, só a adoção pelo legislador - provendo quanto aos seus reflexos ou repercussões, a garantia da segurança das relações jurídicas - de normas específicas, que autorizem a averbação, à margem do registro civil respectivo, do chamado sexo psicológico, mediante regular procedimento judicial, solucionará a questão nos moldes que pretende o ora embargante.

Assim, rejeito os embargos.

O Sr. Des. Moreira Diniz
VOTO

Ante tudo o que está contido nos autos, após ampla pesquisa, aliada a longa reflexão, e considerados o que foi apresentado na sustentação oral e o teor dos votos que me antecederam, adotei posicionamento tranqüilo, consciente, com a certeza de que todos os preceitos constitucionais, legais e sociais, foram devidamente sopesados.
A partir disso, passo a expor minhas conclusões.

DO PRECONCEITO

Inicialmente, e atento ao pleito apresentado à fl. 137, de que “seja julgado o presente caso, sem preconceito”, observo que causa estranheza essa proposta, pela sua absoluta desnecessidade, e até mesmo impropriedade.
Senão, vejamos:
No Dicionário Houaiss, da Língua Portuguesa, o verbete “preconceito” mereceu a seguinte referência: “1. qualquer opinião ou sentimento, quer favorável, quer desfavorável, concebido sem exame crítico.
1.1. idéia, opinião ou sentimento desfavorável formado a priori, sem maior conhecimento, ponderação ou razão.
2. atitude, sentimento ou parecer insensato, esp. de natureza hostil, assumido em conseqüência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio; intolerância (p. contra um grupo religioso, nacional ou racial) (p. racial) cf. estereótipo (padrão fixo, idéia ou convicção).
3. conjunto de tais atitudes. (combater o p.)
4. PSICN qualquer atitude étnica que preencha uma função irracional específica, para seu portador (p. alimentados pelo inconsciente individual). P. lingüístico LING - qualquer crença sem fundamento científico acerca das línguas e de seus usuários, como, p. ex., a crença de que existem línguas desenvolvidas e línguas primitivas, ou de que só a língua das classes cultas possui gramática, ou de que os povos indígenas da África e da América não possuem línguas, apenas dialetos. ETIM - pré
+ conceito; ver cap. SIN/VAR ante paixão, cisma, implicância, prejuízo, prejulgamento, pré-noção, xenofobia, xenofobismo; ver tb. Sinonímia de repulsão”.
Ainda com respeito ao que está à fl. 137, vejo que a exortação veio posta especialmente ante o teor dos votos da posição até então vencedora, no julgamento da apelação, de lavra dos eminentes Desembargadores Almeida Melo e Audebert Delage.
O embargante afirma, com todas as letras, que “resta bastante induvidoso o peso que o preconceito exerceu nas razões expostas”.
Sobre isso, devo dizer que a perplexidade que uma causa gera no espírito de um juiz não constitui fonte ou manifestação de preconceito. O mesmo se diz da afirmação de que não impressiona a evolução dos tempos e que o magistrado seja, em sua definição, conservador.
A releitura do texto retro, pertinente ao verbete “preconceito”, não permite a identificação de tal conduta no espírito dos dois dignos e cultos magistrados. A propósito, nenhum juiz está obrigado a se sujeitar a modernismos ou supostos avanços, quando a lei a tanto ainda não chegou. E ainda não chegou, no caso em exame, como adiante se demonstrará, exatamente porque polêmico é o tema e questionável é a tese modernista posta em destaque.
E se um juiz decide estritamente com a lei, e nos limites da lei, não me parece justo rotular esse magistrado de preconceituoso.
Feliz da sociedade em que seus juízes se submetem às leis que regem a vida dessa sociedade; porque é para a felicidade, a paz e o bem-estar social que as leis são editadas.
Na verdade, injusta me parece tal adjetivação, quando se cuida de exame crítico de um julgado em que, em lugar de optarem pela corrente auto-intitulada de moderna ou avançada, mas, como se demonstrará, com pouca sustentação jurídica, os ilustres, dignos e corretos magistrados, assim como também o é o eminente Desembargador Hyparco Immesi, que assumiu a posição então vencida preferiram, como já dito, ficar com a interpretação que a eles parecia mais jurídica.
Esse caminho crítico é extremo e perigoso, na medida em que permite a todos os vencidos, e evidentemente insatisfeitos com o resultado, atribuírem a posicionamentos preconceituosos ou retrógrados o resultado do julgado. Dessa forma, sempre haverá entre os contendores, aquele que não aceita o resultado como conseqüência do legítimo e próprio exercício da função judicante, preferindo atribuí-lo a mera aplicação de princípios subjetivos, extremamente individualistas, com
total desconsideração do conteúdo dos autos e da lei.
Ainda sobre o tema, e como forma de facilitar a diferenciação entre o que pode pensar um indivíduo, e o que deve ele considerar quando examina um caso concreto, me permito uma reminiscência:
Na primeira metade dos anos noventa, quando titular da 2ª Vara de Família da Comarca de Belo Horizonte fui procurado por um repórter de uma conceituada revista nacional, de larga circulação, que preparava uma matéria a respeito do que então afirmava ser uma novidade, em que os homens pleiteavam para si, em confronto com as mulheres, a guarda de filhos.
Externei minha opinião no sentido de que o princípio legal e doutrinário até então vigente privilegiava as mães, e indiquei as razões, biológicas, inclusive para tanto. Na reportagem, fui taxado de retrógrado e antiquado.
O curioso - e disso o repórter não tinha conhecimento é que no início da década de oitenta, numa pequena comarca do interior do Estado, onde atuava como juiz, decidi, em favor de uma mãe, prostituta notória, uma ação em que o Ministério Público dela tentava retirar a guarda de uma filha, então com sete anos de idade. Assim concluí porque a prova dos autos era clara e segura no sentido de que aquela mulher reservava para a filha a melhor criação possível a qualquer criança:
não trabalhava na mesma casa onde residia a filha; na verdade, trabalhava longe de casa; nos horários de trabalho, mantinha a filha sob os cuidados de uma ótima babá; e matriculara a criança na melhor escola da cidade. Não havia, por parte da mãe, em razão de sua atividade profissional, qualquer influência perniciosa na vida ou na criação e educação de sua filha, que, evidentemente, da profissão materna não sabia.
Relatando o caso a meus alunos na Faculdade de Direito Milton Campos, ouvi e percebi, perplexo, reações de respulsa à minha decisão, como se um absurdo tivesse sido por mim praticado.
Como se vê, uma análise equivocada, feita sob ótica imprópria, pode levar alguém a pensar, num momento, que determinada pessoa seja antiquada, retrógrada, ou preconceituosa; e, em outro momento, essa mesma determinada pessoa pode ser confundida com alguém modernista, avançado ou liberal ao extremo.
Mas essa é uma das cruzes que nós, magistrados, devemos carregar durante todo o tempo do exercício de nossa profissão.

DO BALIZAMENTO DO PEDIDO

Ainda da leitura repetida do conteúdo dos autos, e do material acessado durante a pesquisa do tema, pude constatar uma certa confusão no momento de identificar o que estava sendo realmente pleiteado. É notória, em algumas referências e trabalhos, a confusão entre o pedido de retificação de registro e o pedido de alteração de registro.
Aquele, o de retificação, se tiver que ser efetuado fora do momento do ato registral (Lei dos Registros Públicos, art. 38), está regulado pelos artigos 109 a 112 da Lei 6.015/73 (com a redação da lei 6.216/75). É o que determina o artigo 40 da mesma lei.
As retificações se fazem, evidentemente, para correção de erros, como, por exemplo, a incorreta grafia do nome paterno, ou a equivocada indicação da data de nascimento, e assim por diante.
A outra situação é a da alteração do nome; como tal realizável pelo próprio interessado, na forma do artigo 56, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil; desde que essa alteração não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração, que será publicada pela imprensa.
Já o artigo 57 da mesma lei trata das outras hipóteses de alteração de nome, somente possíveis por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público e decidida por um juiz. Outras situações inaplicáveis à espécie em exame estão regulamentadas pelos parágrafos do artigo 57.
Podem ser mencionadas outras situações de alteração de registro, quando, por exemplo, de uma investigação de paternidade, ou de um processo de adoção. Mas, também, não aplicáveis à espécie.
O que temos, na verdade, são duas possibilidades:
a)retificação do registro;
b)alteração de nome.
No caso, a petição inicial faz expressa referência à pretensão do autor, nos seguintes trechos: - Fl. 2, preâmbulo: “...propor a presente AÇÃO DE ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL...”; - Fl. 2, terceiro parágrafo, quando a referência doutrinária esclarece, a respeito da competência,
que não se cuida de um pedido de retificação de registro, mas de alteração do estado individual; - Fl. 3, primeiro parágrafo, em que o autor afirma que “não se trata de erro no assentamento, consiste em mudança de nome e alteração do sexo para adequação de sua nova identidade sexual”; - Fl. 6, quinto parágrafo, onde o autor fala em ser injustificável a negativa da mudança no registro civil; - Fl. 10, primeiro parágrafo, onde o autor afirma ser “despiciendo proceder à alteração registral se
restar desnudada a causa da alteração”; - Fl. 11, com o pedido final, no sentido de que seja decretada a procedência da ação, com a ordem ao Cartório para alterar a certidão de nascimento do requerente, para fazer constar a alteração do prenome e do sexo.
Desse modo, parece-me claro que o pedido não é de retificação de registro, de forma que ao feito não se aplicarão os dispositivos legais a tanto pertinentes.
Cuida-se, efetivamente, de um pedido de alteração de nome e de sexo.
Aliás, sobre isso dúvida já não havia mesmo, porque o autor não indicou qualquer erro ou equívoco no registro, mas deixou clara sua pretensão no sentido de que, como conseqüência da cirurgia que realizou, fossem alterados seu nome - passando de XXXXX para XXXXX - e seu sexo, passando de masculino para feminino.
A partir daí, e como todos os pedidos devem estar juridicamente sustentados, cabe verificar se o autor apresentou tal fundamentação, a fim de que lhe sejam permitidas as aludidas alterações.

DO MÉRITO

O autor esclarece ser portador de uma característica conhecida como “transexualismo”. Narra todo o histórico de sua vida, desde os dez (10) anos de idade, afirmando que já na época se travestia e, posteriormente, passou a se utilizar de hormônios femininos, evidentemente com o intuito de adequar o aspecto físico de seu corpo ao sexo feminino. Este aquele que escolheu; se assim podemos dizer.
A conduta que afirma haver adotado desde a referida idade parece pertinente com a situação titulada, na medida em que, segundo os compêndios médicos, o transexual é aquele indivíduo que não se sente bem no corpo que a natureza a ele deu, ou seja, tem a sensação de estar em corpo errado, evidentemente, de sexo diverso.
É o conflito entre o espírito e o corpo; o espírito, vivido e direcionado (às vezes de forma inconsciente) pela pessoa, e o corpo, dado e ditado pela natureza.
Sobre o tema que seja transexualismo, RICHARD GREEN e RAY BLANCHARD, na obra Compreensive Textbook of Psychiatry/IV, editada por HAROLD I. KAPLAN e BENJAMIN J. SADOCK, no capítulo 21, que cuida da sexualidade humana normal e das desordens de identidade de sexo e de gênero (Normal Human Sexuality and Sexual and Gender Identity Disorders), no item 21.3 (Gender Identity Disorders), assim discorrem: “DSM-IV defines gender identity disorders as a heterogeneous group of disorders whose common feature is a strong and persistent preference for the status and role of the opposite sex. Those disorders may be manifested verbally, in assertions that one properly belongs tho the opposite sex, ou nonverbally, in cross-sex behavior. The affective component of gender identity disorders is commonly referred
to as gender dysphoria, chich may be defined as discontent with one’s biological sex, the desire to possess the body of the opposite sex, and the wish to be regarded as a member of the opposite sex. The extrem forms of dender identity disorders, collectively referred to as TRANSEXUALISM in the third edition of DSM (DSM-III) and revised third edition of DSM (DSM-III-R), commonly involve attempts to pass as a member of the opposite sex in society and to obtain hormonal and surgical treatment to
simulate the phenotype of the opposite biological sex” (ob. cit., sixth edition, volume 1, pág. 1348).
Ou seja, DMS-IV (que é a 4ª edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders Manual de Diagnósticos e Estatísticas de Desordens Mentais) define desordens de identidade de gênero como um grupo heterogêneo de desordens cuja referência comum é uma forte e persistente preferência pelo status e papel do sexo oposto. São desordens que se manifestam verbalmente ou por comportamento, envolvem claro descontentamento com o próprio sexo, um desejo de possuir o
corpo do sexo oposto e como tal ser identificado pela comunidade.
As formas mais extremas são as de transexualismo, que comumente envolvem tentativas de passar de membro de um para de outro sexo, e de obtenção de tratamentos hormonal e cirúrgico, para simulação do fenótipo do sexo biológico oposto.
A mesma obra distingue o homossexualismo e o transvestismo das desordens de identidade de gênero. Ou seja, o transexual não se confunde com o homossexual e com o popularmente chamado travesti.
Dispensarei, aqui, de conceituar essas duas outras formas, sob pena de alongar-me desnecessariamente.
Numa breve referência histórica, cabe dizer que a estudante Argentina FABIOLA MONTANELLI, em sua monografia a respeito de transexualidade (encontrável no site http://bioetica.bioetica.org/mon6.htm - pesquisa feita em 11/03/2004), esclarece que “el transexualismo entro em la literatura médica em 1853 cuando Frankel describió el caso de Screfakind Blank, cuyo cuerpo examinó post Mortem. Blank se había suicidado ahogándose Antes de ser apresado por la policia. Desde niño
sentido afición por disfrazarse de mujer e había sufrido cárcel por su tendencia a seducir jóvenes y contagiarles enfermedades venéreas”.
Posteriormente, Krafft-Ebing describió en 1894 algunos y Hirschfeld en 1925 utilizó por primera vez el término “transvestismo” (hoy sabemos que se equivocó)y lo diferenció de la homosexualidad. Havelock Ellis en 1936 los llamó “invertidos sexoestésicos” o eonistas, en referencia al caballero Eon, que vivió la mitad de su vida como mujer.
El término “psicopatia transexual” lo debemos a Cauldwell (1949), y em 1953 Henry Benjamin habla de la diferencia entre transvestimos y transexualismo y publica em 1966 un trabajo con una muestra de 172 pacientes (152 varones y 20 mujeres) sobre el “fenómeno transexual”. A partir de este trabajo surge una explosión casuística que culminó con la monografia de Green y Money (1969), titulada “Transexualismos y reasignación de sexo”, que es la primera descripción sistemática (clínica, psicológica, antropológica y sociológica) del síndrome.
Es en el año 1951 cuando en una clínica de Copenhague (Dinamarca) se realiza la primera intervención quirúrgica de adaptació morfológica genital, que alcanzó difusión internacional. El cirujano Christian Hamburger realizó la mencionada operación a un ex soldado que había tomado parte em la segunda guerra mundial, quien habia decidido adaptar sus genitales a su ser psíquico; Cristina Jorgensen falleció de cáncer a los 62 años em 1992, dejó un libro titulado “Yo una vez fui hombre”,
en él detaliaba sus experiencias antes y después de la operación”.
A versão para o vernáculo parece-me desnecessária, ante a clareza da linguagem e a facilidade de compreensão.
Dita monografia ainda faz referência à primeira abordagem cirúrgica feita na América Latina, o que teria se dado pelas mãos de um médico colombiano; e menciona complicações judiciais a que por isso se submeteram médicos argentinos, na década de sessenta.
Essas referências históricas têm confirmação na obra editada por KAPLAN e SADOCK (pág. 1348).
Essa mesma obra de KAPLAN e SADOCK discorre sobre os tratamentos aplicáveis a crianças e adolescentes, e ainda a adultos. A respeito de crianças e adolescentes, dispensáveis quaisquer considerações, eis que o caso em exame envolve pessoa adulta.
Sobre o tratamento de pessoas adultas, dita obra assim discorre: “Adult patients with gender identity disorders presente with varios agendas. Some are seeking help
in suppressing their cross-gender feelings, some are gathering information about gender identity disorders, and treatment option, and still other come with straightforward requests for surgical sex eassignment. For all of the patients seeking a cure or information, and many of those seeking surgery, the first consideration should be to help the patient reconcile to the original gender role or at least learn to function reasonably well in it” (fl. 137).
Vê-se, portanto, que há pacientes que enfrentam situações diversificadas, na medida em que alguns tentam reprimir, ou mesmo eliminar seus sentimentos de transexuais, enquanto outros buscam se informar melhor a respeito de como se tratar ou mesmo buscam a cirurgia. O que se recomenda, para todos os pacientes que buscam a cura, é a ajuda na reconciliação com o sexo original, ou, pelo menos, para uma adaptação razoável.
A mesma obra esclarece que não há, ainda, medicamentos que possam influir na cura ou no simples tratamento; que se limita aos procedimentos psicoterápicos. E ainda faz menção ao fato de que alguns pacientes, quando informados de que não se enquadram ou não devem se submeter ao procedimento cirúrgico, se mostram conformados, e disso desistem sem qualquer conflito.
Por outro lado ainda ali se esclarece, há situações radicais, em que a cirurgia é a única opção.
Também ali se discorre a respeito do período pós-cirúrgico, e se indica que, em estudos realizados em pessoas que a tanto se submeteram, a maioria se mostra satisfeita com o resultado, ou seja, com seu novo status sexual.
Há, entretanto, algumas considerações a fazer umas tratadas naquela obra, outras em trabalhos diversos, de outros autores, seja na área médica, seja na área de simples estudiosos do tema.
Uma das justificativas apresentadas para o tratamento cirúrgico reside na afirmação de que um número de pacientes, se impedidos de se submeterem à cirurgia, por qualquer razão, atingem um estado depressivo e de inconformismo tal que buscam o suicídio. Por outro lado, há referências sobre casos de suicídio também em pacientes que se submeteram à cirurgia, e que não se adaptaram ao resultado, vendo-se decepcionados por variadas razões.
Essa questão atinge especial relevância quando nos lembramos de que a cirurgia, uma vez efetuada, é irreversível. O que não ocorre, por exemplo, nas modernas e hoje já comuns cirurgias para redução de estômago, em que, na realidade, apenas se isola uma parte daquele órgão, com grampeamento mecânico; que pode ser eliminado, com reversão do procedimento.
Sobre tais cirurgias estomacais, inclusive, já se pode dizer que profissionais da psiquiatria já têm se defrontado com situações graves, em que a cirurgia gerou nada mais do que decepção e angústia, na medida em que a obesidade não é apenas física, mas, na realidade, psíquica. A redução do estômago apenas dificulta a alimentação, mas não retira do paciente o desejo original e compulsivo de se alimentar; o que lhe acarreta sérios distúrbios, quando se vê impedido de satisfazer
sua inarredável vontade de se alimentar.
De qualquer forma, e aí já cuidando também do que aqui interessa, há de se dizer que os procedimentos científicos mais corretos não aceitam o resultado imediato como conclusivos a respeito dos bons ou maus efeitos da cirurgia. É necessário dizem pesquisadores respeitáveis que uma boa quantidade de tempo transcorra (trinta ou mais anos), a fim de que todos os fatores, diretos e indiretos, sejam devidamente avaliados; e que essa avaliação seja feita a partir da observação de um
número considerável de pessoas. No caso, pelo pouco tempo histórico das cirurgias, e pelo número ainda pouco significativo de tais procedimentos, ainda é cedo para a conclusão de que tais cirurgias se recomendam.
Por isso, não me impressiona a alegação feita na peça inicial (fl. 5), de que o embargante se considera “hoje uma pessoa feliz, realizada e curada”.
Apenas três anos são decorridos desde a cirurgia; e me parece que se trata de pouco tempo para uma avaliação e uma conclusão com força científica.
A propósito, basta ver que o próprio Conselho Federal de Medicina, ao editar a Resolução no. 1.482/97, autorizadora de tais cirurgias, o fez dizendo se cuidar de autorização concedida a título experimental. Ou seja, sujeita, dita autorização, à revisão.
E ainda assim o fez com várias condicionantes, exatamente para evitar procedimentos precipitados.
Também sobre tal resolução ¿ e a título meramente acadêmico, vejo-me obrigado a, respeitosamente, discordar de alguns de seus considerandos. Se é daquela entidade a competência para discorrer a respeito de ética médica, penso não ser dela aquela relativa à interpretação de textos legais; essa cabível exclusivamente ao Poder Judiciário.
Só o Judiciário pode dizer se determinada situação, se alguma conduta é legal ou se insere no rol dos procedimentos puníveis à luz da lei penal.
A respeito da extirpação ou ablação de órgãos ou tecidos humanos, essa pode caracterizar crime de lesão corporal de natureza grave, tal como conceituado nos incisos III e IV, do parágrafo 2°, do artigo 129 do Código Penal.
Alguns estudiosos do tema entendem que não há crime quando a cirurgia é praticada com o intuito de cura, como se dá, por exemplo, nos casos de extirpação de órgãos para conter ou eliminar doenças gravíssimas, como o é o câncer. Assim, cuidando-se de procedimento que faz parte de tratamento de saúde, não haveria o delito.
Mas essa questão, quando se cuida da cirurgia que elimina órgãos sexuais, ainda é controvertida, mesmo porque, como já demonstrado, não há certeza quanto aos resultados, e muito menos se pode dizer que há cura. São necessários estudos mais aprofundados, com demanda de maior lapso temporal, para se chegar a tal certeza.
E isso se torna ainda mais relevante quando se vê que a cirurgia gera situação fática de difícil solução que é o problema com o qual agora nos deparamos, na medida em que, externamente, a pessoa assume aparência de ser pertencente a sexo diverso daquele com o qual foi contemplado pela natureza.
Por isso, penso que tais cirurgias só poderiam ser realizadas sob cobertura de autorização judicial.
Há ainda de se dizer que a Resolução 1.482/97 foi revogada pela Resolução 1.652, de 6 de novembro de 2002 (publicada no D.O.U. de 02/12/2002), que reiterou e até aperfeiçoou os considerandos, e manteve a autorização para a realização de tais cirurgias, sob as condições nela estabelecidas; porém ainda realçando o caráter de experimentalidade e insistindo no tratamento descriminante.
Minha dúvida a respeito e aqui a menciono sem intuito de crítica, mas com espírito meramente acadêmico vai à questão pertinente à experimentalidade, na medida em que me parece extremamente avançada a postura de realizar experiências cirúrgicas em seres humanos, especialmente quando dita cirurgias são irreversíveis.
Ainda sobre o tema fim terapêutico e descriminalização, basta lembrar que o próprio embargante descreve, à fl.145, tentativa feita em 1979, de legislar sobre a matéria, com a regulamentação da cirurgia transgenital. A Câmara e o Senado teriam aprovado o projeto, mas o tema foi, ao menos na ocasião, sepultado pelo veto do então Presidente João Figueiredo.
O embargante alega, com a indicação da existência de novas propostas legislativas, que a tendência em nosso País é de plena aceitação e de legalização. Se assim fosse, leis já teriam sido aprovadas e já estariam em vigor. Mas esse não é o fato verificado; o que demonstra, no mínimo, que o tema é ainda muito polêmico, não gerando suporte fático e doutrinário para sua introdução em nosso direito positivo.
Também sobre isso cabe lembrar que se encontra na Câmara dos Deputados aguardando inclusão na pauta do plenário, desde 23 de abril de 1996, o projeto de lei número 70, apresentado em 22 de fevereiro de 1995, que “dispõe sobre intervenções cirúrgicas que visem à alteração de sexo e dá outras providências”.
O artigo 1° desse projeto altera a redação do artigo 129 do Código Penal, incluindo o parágrafo 9°, com a seguinte redação: “Não constitui crime a intervenção cirúrgica realizada para fins de ablação de órgãos e partes do corpo humano quando, destinada a alterar o sexo de paciente maior e capaz, tenha ela sido
efetuada a pedido deste e precedida de todos os exames necessários e de parecer unânime de junta médica”.
Já o artigo 2° do mesmo projeto altera a redação do artigo 58 da Lei dos Registros Públicos, observando, em seus parágrafos 2° e 3° o seguinte: “Parágrafo 2°: Será admitida a mudança do prenome mediante autorização judicial, nos casos em que o requerente tenha se submetido a intervenção cirúrgica destinada a alterar o sexo originário. Parágrafo 3°: No caso do parágrafo anterior, deverá ser averbado no registro de nascimento e no respectivo documento de identidade ser pessoa transexual”.
Uma primeira observação: a redação demonstra o desconhecimento de elementares princípios de biologia, na medida em que a comunidade ainda não conhece qualquer procedimento científico capaz de alterar o sexo de uma pessoa; sendo apenas possível alterar o aspecto sexual externo.
Logo, não se cuida de cirurgia de alteração de sexo.
De qualquer forma, o projeto é de autoria do Deputado José Coimbra, que, na justificação, deixa clara a constatação de que, sem alteração da legislação penal, o procedimento em comento é, em nosso País, considerado um crime.
Mesmo porque se assim não fosse não haveria motivo para a proposição.
Sobre o parágrafo 3°, cabe dizer que há emenda no projeto, que veda a referência em questão. Entretanto, é interessante notar a preocupação do proponente do projeto original quanto a direitos de terceiros. Mas isso é assunto para ser tratado mais adiante.
Há, ainda, o projeto de lei número 1736, de 2003, que propõe seja proibida a realização de tais cirurgias na rede do SUS. Esse se encontra em regular tramitação.
O que me parece relevante é que, se há legisladores que entendem necessária a regulamentação, e a chamada legalização das referidas cirurgias, mostra-se inarredável a conclusão de que, por enquanto, tais cirurgias só deveriam ser realizadas sob autorização judicial.
Até porque o resultado leva a conseqüências que reclamam providências judiciais, como no caso em exame.
A eminente Desembargadora Maria Berenice Dias, do Rio Grande do Sul, em seu trabalho Transexualismo e o Direito de Casar, transcrito no site http://www.gontijo- família.adv.br/escritório/outros46.html (11/03/2004), chega a afirmar que “semelhante cirurgia não é vedada pela lei, nem pelo Código de Ética Médica”.
Ora, sobre a questão da ética médica, não há o que discutir, na medida em que o Conselho Federal de Medicina já editou autorização para a realização de tais cirurgias. Quanto a não ser tal cirurgia vedada pela lei, ouso, respeitosamente, discordar, na medida em que, como já demonstrado, pode ser ela enquadrada num dos incisos do parágrafo 2° do artigo 129 do Código Penal. Se a vedação não decorre de texto com redação em linguagem direta, conclui-se que existe pelo
simples exame do referido dispositivo da lei penal.
O que pode ocorrer é que, em determinadas situações, e cada caso é um caso - a Justiça autorize sua realização, operando-se, no caso específico, a excludente de criminalidade, ou mesmo a isenção de punibilidade.
Mas que há vedação legal, há.
Há aqueles que também como o embargante, se sustentam no § III do artigo 23 do Código Penal, para dizer que a cirurgia, no caso, concretiza situação que envolve exercício regular de um direito.
Não vejo o tema dessa forma, na medida em que exercício regular de um direito é, por exemplo, o desforço físico para defesa da própria pessoa ou da propriedade. Para que a cirurgia em tela se enquadre na situação de exercício regular de um direito é necessário que se reconheça, antes, que o paciente e o médico têm direito, concedido pela legislação, ou por decisão judicial, de realizar tal cirurgia. No caso, a autorização do Conselho Federal de Medicina não ultrapassa o campo da
ética, e não supre, pois, a falta de autorização legal.
Aliás, a atestar, a meu ver, a necessidade de autorização judicial para a realização de tais cirurgias está a situação vivida nestes autos, em que a realização da cirurgia levou a uma etapa subseqüente, em que se busca a adequação do registro civil à aparência física gerada pelo procedimento médico. Se as cirurgias só se realizassem mediante autorização judicial, o problema agora vivido não ocorreria, na medida em que tudo isso também seria levado em consideração no momento
de autorizar, ou não, dito procedimento.
Estamos às voltas com um problema seríssimo exatamente porque a cirurgia foi realizada sem que se tomassem em consideração as suas implicações, ou seja, os efeitos colaterais de natureza jurídica a serem resolvidos.
De qualquer modo, essa discussão se torna, aqui, inócua, porque a cirurgia já foi realizada.
Por isso, sequer entraremos na questão pertinente à precariedade de dados, destinados a justificar a realização do procedimento cirúrgico. Basta ver o que consta dos autos e o teor das Resoluções do Conselho Federal de Medicina, para concluir que, nos autos, falta muita coisa, em termos documentais.
Mas, repito, a cirurgia já foi realizada, e aqui não nos cabe seu questionamento.
Cabe observar, a partir da constatação de que a cirurgia já foi realizada, que nos deparamos com situação fática já consumada; e me parece que é exatamente isso que serve de sustentação para o embargante, que busca demonstrar que, ante sua aparência física, a autorização para alteração de seu registro se faz indispensável, a fim de evitar que continue sofrendo constrangimentos, ante o conflito entre seus documentos de identificação e sua aparência.
Mas não é bem assim.
A primeira ressalva a ser feita a respeito do trato desse ponto da questão reside na constatação de uma verdade definitiva e imutável: apesar de todo o seu sentimento, apesar da cirurgia, apesar de sua aparência física, o embargante continua pertencendo ao sexo masculino. Isso porque, ao menos até agora, não se conhece qualquer procedimento científico que permita a alguém a alteração de seu sexo.
Como já observado na parte do voto em que me refiro ao projeto de lei número 70/95, algumas pessoas, quando se referem à dita cirurgia, a chamam de cirurgia de (ou para) modificação de sexo.
O equívoco é palmar. Não existe repito, até hoje, qualquer procedimento cirúrgico que modifique o sexo de uma pessoa. Esse, o sexo, não é determinado pela aparência física da pessoa, mas pela sua conformação genética, e, mais especificamente, pelos cromossomos.
Quem nasceu com conformação genérica do sexo masculino será sempre integrante do sexo masculino; e quem nasce com a conformação genética do sexo feminino será sempre desse sexo um integrante. É uma verdade imutável; ao menos até hoje.
Cirurgias que modificam a aparência externa da pessoa ainda que com a extirpação de órgãos - não passam de cirurgias plásticas, e nada alteram, senão quanto à aparência física externa da pessoa.
No caso, qualquer pessoa que tenha se submetido ou venha a se submeter à referida cirurgia, continuará integrante do sexo que a natureza lhe concedeu.
E nem mesmo eventual aprovação do referido projeto, ou qualquer outra lei, terá o condão de mudar o que é por natureza imutável. Não se altera sexo por decreto.
E isso se mostra de extrema relevância:
Em primeiro lugar, porque não há como deferir alteração de sexo no registro civil, se a pessoa não teve alterado seu sexo, mas apenas sua aparência física externa. Se a pessoa continua integrante do sexo com o qual nasceu, lançar no registro indicação de sexo diferente é fazer afirmação que não corresponde à realidade, à verdade, e, em tese, pode até ser caracterizado como crime. Como registrar a alteração de sexo se tal alteração não ocorreu? Afinal, a carga genética continua a mesma.
Aliás, o mesmo Deputado José Coimbra, proponente do projeto de lei número 70/95 se encarrega de disso dar cabal demonstração, quando, na justificação, assim expõe: “A alteração do nome civil é conseqüência da cirurgia de mudança de sexo. A referência na carteira de identidade sobre ser a pessoa transexual é necessária para que terceiros não aleguem, posteriormente, terem sido lesados pelo próprio Estado quando verificarem que o sexo daquela pessoa não é “original”.
Em segundo lugar, porque essa situação de alteração de aparência, e não de sexo, pode gerar conseqüências gravíssimas, na medida em que o operando, ou o operado, pode continuar sofrendo, em seu íntimo, o mesmo conflito que o afligia antes da cirurgia. O indivíduo sabe, no fundo, que, na verdade, nada foi mudado, salvo na aparência física, externa. Em seu íntimo, ou seja, em seu estado psíquico, sabe ele que continua pertencendo ao sexo original, de nascimento; e a consciência
disso pode gerar angústia em grau idêntico ou até maior daquela ocorrente antes da cirurgia repito.
Ao contrário, inclusive, do que afirmado da Tribuna, a cirurgia não é curativa, porque não cura coisa alguma; pelo contrário, agrava o contraste, na medida em que aquele que desejava pertencer a outro sexo se vê, na aparência física como integrante do sexo eleito, mas sabe, no íntimo, que continua pertencendo ao sexo oposto. Pode até ocorrer agravamento da condição psíquica, a partir da percepção de que a cirurgia, apontada como meio de cura e autorizada a tal pretexto,
na verdade não resolveu e nem resolverá o problema; e ainda é irreversível, ou seja, acentua-se o conflito psíquico, sem outra alternativa de tratamento, e sem possibilidade de retorno ao status quo ante, ou seja para a situação anterior, em que os dados geradores do conflito íntimo eram menos acentuados.
O cidadão acaba se descobrindo como partícipe de uma autêntica maquiagem cirúrgica, que esconde a aparência real mas não altera a natureza.
E essa agravante é de extrema relevância: a cirurgia ao menos até hoje, é irreversível. Se houver arrependimento, ou mesmo insatisfação com o resultado, não haverá como corrigir. E as conseqüências volto a destacar podem ser gravíssimas.
Ainda sobre as conseqüências, vejo, nos autos, afirmações de que a situação do embargante somente a ele interessa, envolvendo, inclusive, questões constitucionais e pertinentes aos direitos básicos de um cidadão.
Com a devida vênia, isso não corresponde à realidade.
Já num primeiro momento, vejo-me obrigado a destacar o equívoco de trato que tem ocorrido num sem-número de feitos judiciais, envolvendo temas variados, em que os interessados invocam, em seu favor, direitos naturais e direitos constitucionais pertinentes à individualidade. Essas pessoas parecem ter se esquecido de que os direitos naturais e até aqueles constitucionais, de uma pessoa, também sofrem limitações; que são balizadas quando há confronto com outros direitos, idênticos,
semelhantes, de outros seres humanos.
Nenhuma individualidade é absoluta, porque sempre haverá o confronto e a necessidade de avaliar qual dos direitos prevalece. Há, sempre, o embate entre o direito de um indivíduo e o direito de outro indivíduo. Ademais, nenhum indivíduo pode se pretender acima dos interesses da coletividade. Por isso existem as leis, destinadas a regular a vida das pessoas em seu trato diário com seus semelhantes. Para tudo há limites. Nenhum direito é absoluto.
Se assim não fosse, nos depararíamos com a situação de termos, em nosso meio, um verdadeiro deus, uma pessoa a quem tudo seria permitido e contra quem nada seria admitido.
A expressão popular cada um é dono de seu nariz encontra limitações legais e naturais, porque, para viver numa coletividade é preciso respeitar os direitos de todos, coletiva e individualmente.
A vingar o posicionamento do embargante, todos poderiam fazer o que bem entendessem, poderiam alterar seus registros a seu bel-prazer, poderiam se casar com quem e com quantas pessoas quisessem, poderiam exercer qualquer profissão sem qualificação, habilitação e registro, enfim, repito que poderiam tudo, sem que o Estado pudesse intervir, intervenção que não se destina a cercear direitos do indivíduo, mas de regrar o exercício de tais direitos e evitar o conflito com os direitos
de outros indivíduos.
A Desembargadora Maria Berenice Dias, no já seu referido trabalho, admite que a cirurgia não altera o sexo; menciona decisão da Justiça do Rio Grande do Sul autorizadora do casamento de um transexual, já no papel do sexo de seu agrado, e esclarece que se houver casamento em situação de erro por parte do outro cônjuge poderá ele pleitear a invalidação do ato.
Não me parece razoável aceitar que alguém seja obrigado a ir às barras dos Tribunais para obter a invalidação de um ato para cuja prática o próprio Judiciário contribuiu ao autorizar a modificação da anotação relativa ao sexo no registro civil da pessoa. É uma constatação incômoda: o Judiciário, de forma consciente, contribuindo para um erro que gera efeitos jurídicos e prejuízos para terceiros.
E aí já está o primeiro exemplo de como a espécie não é de interesse exclusivo do indivíduo, mas de toda a coletividade.
Todos sabemos que a legislação proíbe que, ao expedir certidões de registros civis, o Cartório faça referência a alterações como a que, por exemplo, está agora sendo pretendida. Logo, se autorizada a alteração não me refiro ao caso específico, mas a todo e qualquer caso de transexualismo com cirurgia realizada o indivíduo poderá obter e portar, sempre, uma certidão onde será consignado, não seu sexo original (e que ainda tem), mas o sexo decorrente de seu sentimento e de sua
simples aparência em conseqüência da cirurgia. Qualquer pessoa que for a cartório obterá idêntica certidão; sem a mínima referência a qualquer alteração feita no registro.
Um terceiro, de boa-fé, levado pela aparência física de um operado, ou mesmo pelo amor, poderá chegar ao casamento. Realizado o ato sob o aspecto legal, no momento da consumação, ou até mesmo quando buscar a constituição de prole, esse terceiro descobre a verdade. O casamento foi contraído com pessoa do mesmo sexo.
Quem induziu essa pessoa a erro? Foi apenas o operado? Penso que não.
De qualquer forma, está aí um caso clássico de prejuízo a terceiro. Ainda que obtenha a anulação do casamento, sob o aspecto moral, sob o aspecto psíquico, essa pessoa sofrerá conseqüências; que podem ser indeléveis. Imaginem os senhores como essa pessoa enfrentará o convívio de seus circunstantes.
Aliás, causa preocupação o debate instaurado na Câmara Federal, por ocasião da tramitação do mencionado projeto de lei número 70/95, na medida em que, se seu proponente fez incluir, na lei dos registros públicos, dispositivo que torna obrigatória a referência à cirurgia no registro e nas certidões a ele pertinentes, há emenda, aprovada pelas Comissões, que, mais do que tirar a exigência, proíbem a referência.
Além das emendas (em número de duas), propostas ao referido projeto, o tema vem tratado também no projeto de lei número 3727, de 16 de outubro de 1997. Esse projeto foi apensado ao PL 70/95.
Outro exemplo de prejuízo que a alteração do lançamento relativo ao sexo pode causar: o transexual faz a cirurgia, passa a ter aparência feminina, obtém registro civil de pessoa do sexo feminino, e se vê habilitado a participar de concurso público destinado a pessoas do sexo feminino. Essa pessoa irá concorrer com outras, original e realmente do sexo feminino, em vantagem, quando se cuidar de certame em que houver avaliação de resistência ou capacidade física. É evidente o
prejuízo que será causado às outras concorrentes.
Mais um exemplo: o esporte domina, hoje, procedimentos que permitem, com um simples exame, detectar a real conformação sexual de uma pessoa. O que prevalecerá? O registro civil? Ou o resultado do exame? Essa pessoa poderá disputar na categoria do “novo” sexo? Essa pessoa terá afrontados seus direitos essenciais, se não puder disputar em tal categoria?
Em passado recente, esse exame não era conhecido, o que gerou situações desconcertantes. Uma delas ¿ tal como relembrada no site http://www.gazetaesportiva.net/historia/seculo/tenis/ten barreiras.htm, diz respeito ao médico Richard Raskind, formado na Yale University, nos Estados Unidos
da América, que se submeteu, discretamente, à mencionada cirurgia, alterou seu nome para Renée Richards, mudou- se de uma para outra cidade, passando a viver em Los Angeles, e ali se dedicou a jogar tênis, participando de torneios amadores femininos. Venceu um torneio que contava com a participação de tenistas ex- profissionais, e isso despertou suspeitas, gerando a descoberta da transformação.
“A partir daí, sua vida virou um verdadeiro inferno”.
Segundo o site, Renée teve que enfrentar a Justiça para continuar jogando tênis.
O fato ocorreu na década de setenta, e ainda é viva a lembrança da polêmica instaurada, exatamente pela consideração de vantagem física de que desfrutava dita pessoa em relação às suas concorrentes. Rádios, jornais, revistas e televisões ocuparam-se exaustivamente da matéria.
A propósito da questão da vantagem física, existe, hoje, outra pessoa transexual em evidência: é Mianne Bagger, nascida em Kopenhagen, na Dinamarca, em 1966 (contando hoje trinta e sete anos de idade), e que passou a jogar golf aos oito anos de idade.
Parou de jogar em 1992; em 1995, submeteu-se à cirurgia, e voltou a jogar em 1998, já entre as mulheres. Mais recentemente, participou, no último dia 02 de março, do Women’s Australian Open, sendo o primeiro transexual a participar de um torneio dessa natureza.
Para aqueles preocupados com o fato de ter ela vantagem física sobre as demais competidoras, Bagger diz que tudo não passa de desinformação: “People aren’t aware of what’s involved with transsexualism”.
Ou seja, as pessoas não estão a par do que está envolvido no transexualismo. E continua, dizendo que as pessoas ignoram o fato de que há certas alterações fisiológicas, na medida em que há ingestão de hormônios, como parte da terapia, e que o transexual perde certa quantidade de massa muscular e, via de conseqüência, de força.
Essa afirmação é questionável, na medida em que, ainda que haja alguma perda de massa muscular e de força, essa perda não é total, ou seja, não leva a pessoa aos níveis de massa muscular e de força de uma mulher; mesmo porque a complexão genética natural da pessoal dá ao organismo alguns atributos que não sofrem influência definitiva e total da cirurgia. E a estrutura óssea?
No caso de Bagger, inclusive, há a informação de que tal pessoa jogava golf desde os oito anos de idade; o que permite a conclusão de que se trata de pessoa que sempre manteve condicionamento físico adequado e conseqüente à prática do referido esporte. E se esse condicionamento era pertinente a uma pessoa do sexo masculino, não vejo como concluir que a regressão se dê ao nível de uma pessoa do sexo feminino.
Pode haver redução, mas não a perda total.
Estão, aí, portanto, alguns exemplos, clássicos e reais, de prejuízos que o procedimento agora em exame pode causar a terceiros.
Não posso, aqui, deixar de me lembrar da preocupação lançada pelo eminente Desembargador Audebert Delage, em seu voto, a respeito de inúmeras conseqüências que tal cirurgia gera no campo do Direito Penal: crimes de estupro, sedução, rapto, por exemplo, como seriam tratados, se praticados por ou contra transexuais?
Logo, não há como falar em direito absoluto e exclusivo do embargante.
Passemos à questão do alegado constrangimento.
Em primeiro lugar, há de se dizer que, se o constrangimento decorre da simples aparência física, e especialmente dos resultados da cirurgia ante o conflito com seus dados pessoais ditos legais, esse é um ônus que deve recair sobre quem, sem previsão das conseqüências de natureza jurídica, e sem autorização judicial na qual tudo seria considerado se submete a uma cirurgia de tal natureza.
E isso não pode gerar situação de obrigatoriedade de aceitação incondicional por parte do Judiciário. Caso contrário, para quê o pedido de autorização?
Mas, admitindo-se que tal não corresponda à realidade, examinemos as alegações concretas, de que o nome e a anotação de pertencer ao sexo masculino causam transtornos e constrangimentos ao embargante.
Sobre essa questão, o embargante que se chama XXXXX afirma, na inicial, que “muito difícil é a inserção social do transexual, porque muitas vezes sofre rejeição pela família, sendo ridicularizado pela sociedade e marginalizado socialmente em locais onde deve apresentar documento pessoal, PORQUE NA CARTEIRA DE IDENTIDADE NÃO HÁ ADEQUAÇÃO COM SUA APARÊNCIA FÍSICA” (fl. 6).
Mais adiante, afirma: “Entendemos que deve haver a adequação do prenome ao novo sexo do transexual operado sem qualquer referência discriminatória na carteira de identidade, de trabalho, no título de eleitor, no CPF, etc...” (fl. 9).
O equívoco é palmar. No que tange à fotografia, essa é colocada em documentos pessoais exatamente para permitir a quem o documento for apresentado aferir, mediante comparação da foto com a imagem real, se quem ali se apresenta é, efetivamente, o titular do documento.
Nada obsta, pois, que qualquer documento de identificação do embargante leve estampada a foto que o identifica fisicamente como ele realmente é hoje. Pelo contrário, assim deve se dar.
Quando à indicação de sexo, nenhum dos documentos mencionados na inicial contém tal referência. A comprovar isso, por exemplo, no caso da carteira de identidade, basta examinar a cópia juntada à fl. 15 da carteira de identidade do embargante. Ali não há qualquer referência ao sexo de seu titular.
O mesmo se dá na carteira do trabalho, no título de eleitor, e no CPF de qualquer pessoa. Logo, sob essa ótica, desprovido de fundamento o pleito do embargante.
Outro ponto em que se sustenta o autor da ação diz respeito a seu nome, que geraria situações constrangedoras.
Apesar do exemplo utilizado na Tribuna (mudança de nome de José para Maria), o embargante não se chama José, nem João, nem Antônio, nem Francisco. Na verdade, o embargante nem mesmo tem nome vinculado etimologicamente à língua portuguesa. Se o tivesse, dúvida não haveria quanto ao alegado constrangimento, na medida em que Paulo não pode ter aparência feminina.
Assim como Ana não pode parecer do sexo masculino.
Quando se cuida de nomes de origem em língua estrangeira, entretanto, é muito comum, no Brasil, sua utilização por pessoas de um ou de outro sexo, indistintamente, sem que isso gere qualquer perplexidade, humilhação, ou constrangimento.
Nomes como Osíris, Íris, Altair, Darci, e inúmeros outros, são atribuíveis tanto a pessoas do sexo masculino quanto àquelas do sexo feminino.
No caso de Íris há, inclusive, uma curiosidade a destacar: o político Íris Resende é casado, e sua esposa se chama também Íris.
Ainda no último dia 29 de março, minutei um voto num processo número 1.0642.03.900299-2/001, onde uma das partes, do sexo masculino, se chama XXXXX. Ora, qualquer que fosse o sexo dessa pessoa, nenhuma anormalidade haveria em seu nome; a não ser o fato de se tratar de um nome estranho à língua portuguesa.
Quem, entre os amantes da bela música, não conhece o cantor italiano ANDREA BOCELLI? Apesar do nome, é pessoa do sexo masculino. E na Itália, Andréa designa tanto homem quanto mulher. No Brasil mesmo, é de nossa história recente a figura de um alto funcionário do Governo, na área econômica, de nome XXXXX.
No caso do embargante, pesquisei em inúmeros sites nacionais e internacionais sugestivos de nomes para bebês, e em nenhum deles encontrei o nome XXXXX.
Também em livros e apostilas existentes no Brasil, com sugestões para nomes de bebês, nenhum XXXXX foi encontrado.
No Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais do 2o. Sub-distrito, de Belo Horizonte, existe um registro com o nome de XXXXX do sexo masculino. Também um XXXXX, do sexo masculino, existe registrado no Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais do 4° Sub-distrito, de Belo Horizonte.
A Telelista Residencial 2002, de Belo Horizonte, editada pela TELEMAR, faz referência a seis assinantes com o nome XXXXX. Não está ali indicado o sexo de qualquer dessas pessoas, e não tive elementos, ao menos à luz da ética, para averiguar.
Mas isso não significa que XXXXX seja um nome exclusivamente designativo de pessoas do sexo masculino.A mesma lista apresenta XXXXX duas vezes, e XXXXX mais de vinte vezes. Sobre esses nomes, parece-me que não há dúvida de que XXXXX identifica pessoa feminina, e XXXXX, masculino. São nomes “aportuguesados”, com clara identificação do sexo de seus portadores.
Ainda na referida lista telefônica existe o registro de dois assinantes com o nome XXXXX. Embora sem certeza científica, parece-me razoável imaginar que quem pensou em XXXXX o fez na expectativa de estar masculinizando o nome XXXXX, que, então, sob sua ótica, seria feminino.
Versando sobre o mesmo ponto, anoto que o Dicionário Etimológico de Nomes e Sobrenomes, de Rosário Farâni Mansur Guérios, Editora Ave Maria Ltda, 2a. ed, revista e ampliada, 1973, sobre o nome Romário, assim explica: “ROMÁRIO, prov. da latiniz. *Romarius, “romeiro”. Ou, seg. Piel, adaptação latinizante de Romeiro” (RPF, V, 317). Ou, ainda, do germ. Hrommar: brilho (mar) e glória (hrom) Sto., Séc. VII, cel. 8-12”. Ou seja, parece que XXXXX é nome de origem germânica, que pode ter gerado variação na língua latina, qual seja, Romarius ou Romeiro.
Não obstante haja um Santo, do Século VII, com o nome XXXXX, não se pode dizer, necessariamente, que esse nome, derivado de outro de origem latina, e de construção aparentemente germânica, possa ser designativo apenas de pessoas do sexo masculino.
No caso brasileiro, inclusive, já se demonstrou penso eu pelo exame das variações existentes na lista de assinantes de telefonia de Belo Horizonte, que há até quem pense que XXXXX seja nome feminino; eis que não vejo outra razão para a alguém ser dado o nome de Romaro.
É verdade que não se sabe a razão exata da escolha de tais nomes pelos pais das referenciadas pessoas; assim como não há, nestes autos, qualquer indicativo dos motivos que levaram o embargante a receber o nome de XXXXX. Afinal, tudo é possível quando se trata de nomear um filho.
Em certa época, em Belo Horizonte, no recenseamento em 1970, se bem me lembro ¿ foi encontrada uma pessoa com o nome “OCITELTA”, que nada mais é do que ATLÉTICO lido em sentido contrário.
Evidentemente, os pais dessa pessoa eram aficcionados do Clube Atlético Mineiro, e ao mesmo quiseram prestar homenagem quando do nascimento do filho; ou da filha, porque, sinceramente, não me recordo de identificação que possa ter sido feita na época e nem vejo, no nome, identificação do sexo da pessoa. Esse fato foi exaustivamente noticiado, na época, pela imprensa.
Sabe-se, é óbvio, que as pessoas se valem de uma diversidade de recursos para a construção de nomes pouco comuns (conjunção de partes de nomes paterno e materno, ou de parentes; homenagem a alguma instituição ou fato relevante em determinadas épocas, etc.). Mas, repito, no caso, não se sabe o motivo da escolha do nome XXXXX.
O fato é que, como se trata de um nome estranho à língua portuguesa, não me parece razoável presumir que se trate de um nome exclusivamente masculino, ou mesmo feminino.
De qualquer modo, o que importa, a meu ver, é que o nome XXXXX não causa, em quem o ouve pela primeira vez e vê a pessoa de seu titular, a impressão de que se cuida de um nome inadequado ao sexo; qualquer que seja ele.
Assim, não vejo, em razão do nome, motivo para a aflição do autor-embargante.
Se chamado publicamente pelo nome, e solicitado a se identificar, com certeza poderá exibir sua carteira de identidade com o nome XXXXX, e a fotografia que faça jus à sua aparência física, sem causar, em quem quer que seja, perplexidade ou sentimento de escárnio ou dúvida.
Mesmo porque, repito, os documentos pessoais ¿ salvo a certidão de nascimento - não indicam sexo. Pode até ocorrer de alguém estranhar o nome XXXXX; não por eventual inadequação sexual, mas por se tratar de um nome pouco comum e, com certeza, estranho na nossa língua. Mas essa perplexidade não é a causa do pedido do autor-embargante.
Há, ainda, uma questão a considerar: é que, da Tribuna, a ilustre e culta advogada do embargante sustenta a tese de que nada existe na nossa legislação que estabeleça que o sexo a ser lançado no registro da pessoa é o biológico. Ora, com certeza o legislador não pensou em sexo de opção, porque seria simplesmente absurda a situação da lei, e do Estado, admitir que os pais de uma pessoa, quando do registro do nascimento, indicassem sexo preferencial em lugar de sexo biológico.
Aliás, a afirmação feita da Tribuna, data venia, parece-me contraditória, na medida em que se fosse considerado, para o registro, o sexo de preferência, e não o sexo real, o constrangimento seria evidente para a pessoa. Mas, se isso fosse natural porque legal, na concepção apresentada na sustentação oral, então não haveria razão para a lei permitir mudanças.
O certo é que isso envolve questão de Direito Natural, e envolve razoabilidade, dispensando especificação na lei. Sexo sempre foi determinado pela natureza, no momento em que a pessoa nasce, apresentando não apenas os caracteres sexuais secundários e externos, mas conformação cromossômica definidora de um ou de outro sexo.
A identificação que se exige seja lançada no registro é exatamente para a individualização da pessoa, de maneira que fique a mesma conforme com a natureza. Se assim não fosse, não haveria necessidade e nem motivo para tal indicação no registro civil.
Assim, quando o legislador fala em referência ao sexo no assento de nascimento, o faz, evidentemente, se reportando ao sexo biológico, e não ao sexo psicológico ou ao sexo de eleição.
A partir daí, convém repisar, resta clara a impossibilidade de se lançar, num registro, originalmente ou por modificação, indicação identificadora de sexo diverso do gênero da pessoa, determinado pela natureza, ou seja, por sua conformação cromossômica.
Como colocar, num registro civil, que uma pessoa que mantém a carga genérica compatível com determinado sexo pertença ao sexo oposto?
Fazer isso, como já demonstrado, é falsear a verdade. É dizer que o sol é lua, ou que a noite é dia.
Como bem destacado no voto do eminente Desembargador Almeida Melo, proferido na sessão anterior, há evidente impossibilidade jurídica.
Como se vê, longe de qualquer postura preconceituosa, a conclusão é eminentemente técnica, baseada em considerações de natureza científica, e também jurídicas; tudo aliado a raciocínio lógico.
Resta induvidosa a constatação de que não existe, no caso, qualquer circunstância legal autorizadora da pretendida alteração de registro. Seja quanto ao sexo, seja no que diz respeito ao nome.
Se a humanidade está passando por modificações modernizadoras, e isso é fato, o que importa é que, enquanto não houver modificação legislativa, as vedações expressas na lei não podem ser ignoradas.
Torna-se instável e perigosa a sociedade em que os juízes decidem, não com a lei, mas segundo suas próprias consciências, ainda que contrariamente à lei.
Todos nós desejamos ver a Justiça modernizada, com conceitos avançados e progressistas; mas não vejo como assim agir sem a sustentação legal.
Uma coisa é interpretar de maneira benevolente, progressista ou ampliativa, um determinado texto legal; outra coisa é autorizar aquilo que a lei expressamente veda, criando norma permissiva que o legislador ainda não criou.
A fundamentação para uma decisão negativa ¿ repito - é eminentemente jurídica; deixadas de lado as considerações de natureza pessoal ou sentimental, incabíveis em se tratando de um julgamento judicial.
Sequer seria, aqui, necessária uma referência ao julgamento de caso rumoroso de pessoa exaustivamente exposta na mídia e referida nos autos, em que o colendo Supremo Tribunal Federal indeferiu o pleito de alteração do registro, mesmo ante o fato consumado da cirurgia realizada.
E não se venha dizer que essa decisão é antiga e proferida em época em que vigorava situação fática e jurídica diversa; porque não é. A única alteração que se invoca como ocorrida reside nas Resoluções do Conselho Federal de Medicina, que cuidam da possibilidade de realização da cirurgia, e não da alteração registral.
Quanto à alteração legislativa que modificou o teor do artigo 58 da Lei dos Registros Públicos também mencionada na sustentação oral, se mostra aqui irrelevante, porque a situação vivenciada nestes autos ali não se enquadra. O embargante está pretendendo a mudança de seu nome, não porque o nome que tenha seja feito, anti-natural ou ridículo, mas por não comprovada inadequação ao sexo original.

Ante o exposto, rejeito os embargos.
Custas, pelo embargante; suspensa a exigibilidade, ante os termos do artigo 12 da Lei 1.060/50.

SÚMULA
REJEITARAM OS EMBARGOS, VENCIDOS O RELATOR E O PRIMEIRO VOGAL.

FONTE: http://www.tjmg.gov.br/juridico/jt/inteiro_teor/

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TEMA 2: DISCRIMINAÇÃO - INDENIZAÇÃO

TJ / DF - TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Processo: 2326790
Registro do Acórdão: 92595
Classe: AC - Apelação Cível
Relator: Des. Natanael Caetano
Órgão Julgador: 2ª turma cível
Julgamento: 24/02/1997

EMENTA

Administrativo - mandado de segurança. Ato do comandante-geral da polícia militar do distrito federal - licenciamento de policial militar com base em procedimento administrativo - fatos revelados de conduta homossexual - inobservância do devido processo legal - afronta ao princípio da ampla defesa - nulidade do procedimento administrativo - concessão da segurança.
A defesa é garantia constitucional de todo acusado, em processo judicial ou administrativo (Artigo 5º, LV, CF). Logo, para punir um empregado, é preciso que tenha havido um processo regular, com direito à defesa, para apuração da falta cometida ou de sua inadequação às atividades que lhe concernem. Punição fora das condições indicadas é nula.
Recurso a que se nega provimento a fim de se manter a sentença concessiva da segurança, nos termos do pedido inicial que garantiu ao impetrante o direito de permanência nas fileiras da Polícia Militar “até que seja dela excluído por ato legalmente válido”.

ACORDÃO

Acordam os Desembargadores da 2° Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, NATANAEL CAETANO – Relator, ROMEU JOBIM – Revisor e GETULIO MORAES OLIVEIRA – Vogal, sob a presidência do Desembargador HERMENEGILDO GONÇALVES, em NEGAR-SE PROVIMENTO.
UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 24 de fevereiro de 1997.

RELATÓRIO

XXXXX impetrou Mandato de Segurança contra ato do Comandante-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal que o licenciou por conveniência do serviço, haver ele concluído com aproveitamento o Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar.
Alegou que a decisão de licenciamento teve por base processo administrativo instaurado sob a acusação de ser ele homossexual, o que impediria sua incorporação às fileiras da Polícia Militar.
Considera o ato de licenciamento abusivo e ilegal, constituindo-se em lesão ao seu direito liquido e certo de ter acesso aos cargos públicos.
Argumentou ainda que o processo administrativo não se revestiu das formalidades legais, não lhe sendo dado o direito de defesa.
A autoridade coatora, prestando informações, confirmou os fatos e os motivos que levaram ao licenciamento, sendo incompatível com a função policial, os atos que contra ele foram comprovados pela Seção de Informações da Unidade.
O Ministério Público opinou pela concessão da ordem.
O Distrito Federal ingressa como litisconsorte passivo, sustentando a legalidade do ato atacado.
Sendo isso realmente o que ocorreu, tenho para mim que a decisão monocrática deve ser mantida por seus fundamentos.
Diante do exposto, conheço da apelação voluntária e remessa do oficio, presentes os pressupostos da admissibilidade, mas lhes nego provimento, acompanhando o voto do Eminente Desembargador-Relator.
O Senhor Desembargador GETÚLIO MORAES OLIVEIRA – Vogal
Com a Turma:

DECISÃO
NEGOU-SE PROVIMENTO UNANIME.
É o relatório.

VOTOS

O Senhor Desembargador NATANAEL CAETANO – Relator

Tempestivo e adequado a espécie, conheço do recurso voluntário e da remessa de ofício.
Conforme relatório, o Distrito Federal apela de decisão proferida em Mandato de Segurança que concede ao impetrante o direito de ser incorporado as fileiras da Policia Militar, até que seja dela excluído por ato legalmente válido.
O impetrante havia incorporado na Policia Militar do Distrito Federal, como soldado 2° Classe e no decorrer do curso de formação policial-militar, houve sobre ele informações do 3° Batalhão de Policia Militar, de fatos reveladores de conduta homossexual. Em tais interrogações se motivou a Administração para licenciá-lo por conveniência do serviço.
Trata-se de ato vinculado, sendo obrigatória a sua motivação. Mesmo que se considerasse estar o PM em período probatório, ocorrendo o licenciamento por conveniência do serviço, através de ato discriminatório, esta discricionariedade se transmuta em ato vinculado. Embora alegando
conveniência do serviço, o motivo determinante foi a imputação ao impetrante de conduta que se diz não condizente com o exercício da função policial.
Comprovado durante o estágio probatório, que o funcionário não satisfaz as exigências legais da Administração, pode ser exonerado justificadamente pelos dados colhidos no serviço, independente de processo administrativo disciplinar, tratando-se da simples dispensa do servidor. Entretanto a sua incapacidade ou inadequação ao serviço há de ser comprovada administrativamente.
As informações sobre a vida pregressa do impetrante foram por ele negadas, não se podendo admitir a comprovação de tais fatos, levando-se em conta apenas informações prestadas por terceiros.
Como disse uma vez declarado o motivo que levou ao licenciamento, passa a Administração, até mesmo no exercício do poder discricionário a ser obrigada a tê-los comprovados, porque se falsos ou inexistentes nulo será o ato praticado.
Creio portanto, que houve cerceamento de defesa, porque não foi dada real oportunidade ao lesado de afastar , através de meios mais convincentes que sua própria negativa as imputações que lhe foram feitas e que sem duvidas, foram a motivação mediata ao seu licenciamento.
No caso em julgamento, creio que manter a decisão atacada representa assegurar a garantia prevista no art. 5°, §IV da Constituição Federal que não se submete ao poder discriminatório conferido à Administração.
Nego provimento ao recurso.

O Senhor Desembargador Romeu Jobim - Revisor

A segurança não foi concedida tendo em conta a possível condição de homossexual por parte do impetrante. Note-se que ele a negou por ocasião da sindicância ou inquérito administrativo. O fundamento da concessão conforme se verifica na sentença de fls. 43-48, foi o cerceamento de defesa, já que ao impetrante não se deu oportunidade, no plano administrativo, ao exercício de sua ampla defesa, prevista no art. 5°, § I.V. da Constituição Federal.
O MM. Juiz decidiu concedendo a segurança por considerar atingindo o direito de defesa protegido pelo inciso IV do Art. 5° da Constituição Federal. A decisão garante ao impetrante o direito de permanência nas fileiras da Polícia Militar até que seja dela excluído por ato legalmente válido.
Recorre o Distrito Federal, postulando a reforma da decisão singular, argumentando que:
- o ato administrativo de licenciamento revestiu-se de legalidade
- não houve cerceamento de defesa no processo administrativo posto que ouvidas testemunhas e o próprio impetrante.
Destaca o argumento de que o licenciamento é ato discriminatório, e que os dispositivos constitucionais não foram feridos por tal ato praticado ao abrigo da legislação ordinária.
Em contra-razões expões o apelado que em momento algum do processo administrativo instaurado pela autoridade coatora lhe foi oferecida oportunidade para contraditar as provas ou sequer defender-se amplamente, estando o ato administrativo que o licenciou contrario ao preceito constitucional do art. 5°, §I.V.
Pede seja negado provimento a apelação.
Manifesta-se a Procuradoria da Justiça, não reconhecendo arbitrariedade no ato de licenciamento que se fez por conveniência do serviço. Opina pela cassação da sentença hostilizada.
Esclareço que a autoridade apontada como coatora informa ter sido o impetrante reintegrado nas fileiras da corporação após a prolação de sentença e já promovido a Soldado de 1° Classe em 15 de junho de 1990.

FONTE: http://www.tj.df.gov.br/

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TJ / RS - TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Processo: 70008966111
Classe: AC - APELAÇÃO CÍVEL
Relator: Des. Artur Arnildo Ludwig
Origem: Comarca de Cachoeira do Sul / RS
Apelante/Recorrido Adesivo: EMPRESA JORNALISTICA XXXXX
Julgamento: 29/09/2004
Sexta Câmara Cível

EMENTA

2004/cível apelação cível. Responsabilidade civil. Empresa jornalística. Dano extra-patrimonial.
Cirurgia de transgenitalização. Veiculada matéria de capa com fotografia apesar da expressa discordância do autor. Sentença que reconhece o direito à indenização e considera as atenuantes na fixação do valor.
Inafastável que a empresa jornalística não agiu corretamente ao publicar, sem autorização, reportagem sobre a intimidade do requerente. O agir imprudente da empresa causou danos ao requerente expondo a vida particular e extremamente íntima deste, em momento que desejava levar uma vida normal. Sentença mantida.

NEGADO PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento a ambos os recursos.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. ANTÔNIO CORRÊA PALMEIRO DA FONTOURA.
Porto Alegre, 29 de setembro de 2004.
DES. ARTUR ARNILDO LUDWIG, Relator.

RELATÓRIO
DES. ARTUR ARNILDO LUDWIG (RELATOR)

XXXXX ajuizou ação indenizatória por danos morais contra EMPRESA JORNALÍSTICA XXXXX, alegando que o jornal da referida empresa, sem a sua autorização, publicou informações constrangedoras a seu respeito, sobre uma cirurgia que realizou no exterior a fim de mudar de sexo.
Relatou que após a publicação da reportagem, no XXXXX, com uma foto sua o autor e sua família sofreram inúmeras humilhações, gerando desentendimentos entre este e seus parentes.
Requereu a condenação da empresa ao pagamento de indenização no valor de 400 salários mínimos, pelos danos morais e R$ 2.500,00 a título de participação nos lucros obtidos com a publicação.
Após a instrução, sobreveio sentença de parcial procedência da ação para condenar o jornal ao pagamento de danos morais no valor de R$ 10.000,00.
A empresa requerida apelou entendendo que a matéria jornalística não extrapolou os limites da razoabilidade, não fugindo do que já era de conhecimento público e considerou os padrões da Lei de Imprensa.
Assevera que a elaboração da notícia ocorreu em cima de fatos verdadeiros, de total domínio público, porque já tinha sido objeto de uma anterior grande reportagem, com maior destaque, em outro jornal de maior circulação na cidade e região,( JORNAL XXXXX) com total aquiescência do autor.
Aduz que o trabalho também foi feito com absoluta concordância do autor e incentivo de seus familiares. Sendo que somente após a publicação é que, por problemas com seu pai, o autor entendeu de evitar outras publicações, para o futuro.
Entende que se algum dano tivesse operado, teria sido por ocasião da outra reportagem anterior, do Jornal XXXXX, jamais agora.
Afirma que quanto àquela reportagem o autor nada fez, manteve-se ciente. Assevera que em verdade nenhum dano moral houve, que tudo está a atender os reclamos do próprio autor que ansiava por dar conhecimento do seu sucesso, que posteriormente arrependeu-se diante da reação de seu pai, mas já havia liberado seu nome e imagem ao público.
Defende que na verdade, o autor teve o sucesso pretendido, bastando ler o que sua testemunha, XXXXX, disse em juízo: “Que era uma reportagem muito bonita e a depoente guardou-a por um tempo.”
Declara que se a matéria é bonita, não pode ser considerada como capaz de causar dano moral e da maneira como o requerente se manifestou perante o outro jornal, mostrou orgulho de ser como é, de ter feito a cirurgia, de estar morando no exterior, do sucesso em tudo alcançado.
Entende que outro aspecto que não chegou a ser considerado pela julgadora, é o fato de o autor pretender participação nos lucros pela venda do jornal, posto que se quer lucros é porque a matéria lhe foi favorável e com ela concorda, não comportando prejuízo moral.
Declara que o valor concedido é excessivo, considerando as condições financeiras do autor e a reduzida tiragem do jornal de interior, quase sem nenhum lucro.
Sustenta que deve ser considerado, para diminuir o valor concedido, que o próprio autor buscou a publicidade; que ele nunca proibiu qualquer reportagem antes da publicação, que fez questão de mostrar-se na sociedade onde viveu, que seus familiares – mãe e irmã – procuraram a publicidade conseguida e que as pessoas do seu meio, ao contrário de repudiar a matéria, consideraram muito bonita.
Assevera que se tudo isso não servisse para declarar a inexistência de qualquer dano moral, vale para, no mínimo, reduzir valores de uma possível indenização.
Requer a integral reforma da decisão no sentido de julgar improcedente a ação com as devidas conseqüências legais.
Na eventualidade de restar reconhecida a existência do dano que o valor seja reduzido ao mínimo considerando as condições do autor, da apelante e a contribuição deste e de seus familiares para a ocorrência dos fatos.
O requerente também apela, postulando a elevação da condenação para 400 salários mínimos, consoante requerido na peça inicial. (fls. 141/145)
A magistrada deixou de receber o recurso do autor, por deserto.
Ao receber o recurso da parte requerida, determinou a intimação do recorrido para contra-razões no prazo legal. (fl. 146)
O requerente interpôs, então, recurso adesivo postulando, inclusive, a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita. (fls. 148/153), que foi recebido pela juíza de direito. (fl. 159)
Os autos foram enviados e este Tribunal de Justiça tendo sido recebidos neste gabinete, em 07 de junho do corrente ano.
É o relatório.

VOTOS

DES. ARTUR ARNILDO LUDWIG – RELATOR
APELAÇÃO DO AUTOR

O recurso de apelação do autor não foi recebido pelo juízo recorrido por deserção. Efetivamente o requerente apresentou tempestivamente as suas razões recursais, mas deixou de realizar o preparo, requisito de admissibilidade recursal, previsto no artigo 511 do CPC.
A ausência de preparo ocasiona o fenômeno da preclusão, fazendo com que seja aplicada ao recorrente a pena de deserção, impedindo o conhecimento do recurso.
Assim, sendo não conheço do recurso de apelação interposto pelo requerente. (fls. 141/145)

APELAÇÃO DA EMPRESA JORNALÍSTICA

A empresa demandada postula, em síntese a declaração de inexistência de dano indenizável ou a redução do valor cominado pela sentença atacada.
Em se tratando de responsabilidade civil, em decorrência de matéria jornalística, necessário averiguar a ocorrência de dano à moral do requerente e as conseqüências em que ocorreu a publicação da referida matéria, para constatação da existência ou não de atenuantes.
É fato incontroverso que a matéria tem como tema central à cirurgia de transgenitalização realizada pelo requerente, informação de natureza eminentemente íntima e que em cidades do interior, na época em que veiculada, em maio de 2000, causou enorme movimentação e interesse na sociedade local. (fls. 23 e 24)
Portanto, o contexto social é este, o requerente é natural de XXXXX, local de circulação do referido jornal, XXXXX.
Importante destacar que dois anos antes, mais precisamente em janeiro de 1998, foi publicada outra matéria por jornal diverso, assinada pelo mesmo jornalista, informando que o requerente já estava com a cirurgia para troca de sexo marcada.(fl. 44)
Tal matéria foi ilustrada com várias fotos do requerente, pousadas para esta finalidade.
Mas o alvo da pretensão indenizatória é a matéria veiculada no ano de 2000 que faz referência à mãe do autor, segundo a qual “XXXXX”, nome artístico do autor, pretende continuar vivendo na Europa.
Ocorre que no próprio texto veiculado consta expressamente a declaração de contrariedade do requerente, nos seguintes termos: “O transexual disse que não quer publicidade em torno de seu caso para evitar problemas na cidade. Ontem, no final da tarde, XXXXX esteve no jornal XXXXX, pedindo para não ser mais importunada. Ela só quer agora levar uma vida como uma mulher normal.”
Tenho que este aspecto encerra ponto fundamental sobre a responsabilização do jornal que, mesmo diante da expressa discordância do requerente, veiculou a matéria.
O próprio jornalista, em seu depoimento, declarou: “Que não conseguiu falar com XXXXX e soube, antes da publicação da matéria, que ele compareceu no Jornal avisando que não gostaria de dar entrevista. Esse fato constou na reportagem. Que a pessoa lhe passou esse recado (que o XXXXX estivera no Jornal) disse apenas que ele não queria dar entrevista, mas não proibiu, nem autorizou a publicação da notícia, nem expressa nem tacitamente.” (fl. 98)
Assim sendo, independente da situação do requerente já ser de conhecimento daquela sociedade, houve clara manifestação deste no sentido de negativa de que fosse veiculada a notícia sobre a cirurgia realizada no exterior. Porém, em desrespeito à vontade do requerente, naquele momento em que retornava do exterior e pretendia ter momentos de tranqüilidade com seus familiares, a notícia foi divulgada.
Inafastável que a empresa jornalística não agiu corretamente ao publicar, sem autorização, reportagem sobre a intimidade do requerente. O agir imprudente da empresa causou danos ao requerente expondo a vida particular e extremamente íntima deste.
A demandada não valorou o aspecto íntimo da pessoa envolvida na matéria que, repito, demonstrou claramente estar sendo afetada e importunada.
Mesmo assim, de forma leviana e visando à óbvia repercussão que este tipo de matéria obtém em cidades interioranas, assumiu os riscos e publicou a matéria, na capa da edição, com fotografia em tamanho considerável, intitulada: “Troca de Sexo - XXXXX realiza o sonho de ser mulher”, com adendo de tratar-se de matéria exclusiva.
Ou seja, de maneira clara, desrespeitou a vontade íntima e manifesta do requerente de não obter publicidade daquela forma.
Neste contexto, configurada a responsabilidade da empresa ré, proprietária do jornal, que mesmo desautorizada, publicou a matéria que veio a expor novamente o autor a situação constrangedora, causando evidentes prejuízos a sua moral, impingindo sofrimento íntimo e angústia.
Caso o requerente desejasse algum tipo de publicidade não teria se humilhado comparecendo até a sede do jornal para declarar que não queria publicidade, pedindo para não ser importunado.
Não há necessidade de melhor manifestação contrária à veiculação da notícia sobre a cirurgia do que esta.
Mesmo assim o jornal ignorou o apelo do requerente e veiculou a referida matéria.
O fato de mais de dois anos antes ter sido publicada matéria na qual o autor teria concedido uma entrevista sobre a decisão de realizar a cirurgia não exime a requerida da responsabilização, posto que como já referi, no ano de 2000 o jornal demandado não só não tinha a autorização para a nova matéria como desrespeitou a contrariedade manifestada claramente pelo autor.
A situação da comunidade local conhecer a decisão do requerente de submeter-se à intervenção cirúrgica e de os familiares terem prestado informações, de maneira completamente informal, apenas atua como atenuante da responsabilização, influindo no quantum indenizatório.
A liberdade de imprensa não deve ser confundida com uma atuação imprudente que expõe os valores constitucionalmente protegidos, tais como a honra, a imagem e a vida privada. O texto constitucional assegura, inclusive, a reparação por dano moral, em decorrência da violação destes, em seu artigo 5º, inciso X.
Neste sentido, trago decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS.”
A publicação, em jornal, de fotografia, sem a autorização exigida pelas circunstâncias, constitui ofensa ao direito de imagem, não se confundindo com o direito de informação. Agravo regimental não provido.” (STJ, 3ª Turma, AGA 334134/RJ, Ministro ARI PARGENDLER, em 11/12/2001)
Uma conclusão é certa, a imprensa deve ser exercida com o devido cuidado jurídico na elaboração de reportagem deste tipo para que não venha a violar o direito à vida privada das pessoas de um modo geral.
Segundo a doutrina de Clayton Reis, sobre o tema, “todo o mal causado ao estado ideal das pessoas, resultando mal-estar, desgostos, aflições, humilhações, desonras, entre outros danos não patrimoniais subjetivos, interrompendo-lhes o equilíbrio psíquico, constitui causa eficiente para a obrigação de reparar o dano moral ou espiritual.”
Configurado o dever de indenizar, a conseqüente quantificação da indenização é tarefa judicial das mais ardorosas.
É inequívoca a conclusão de que na área dos danos extra-patrimoniais, talvez seja impossível se obter uma perfeita equivalência entre a lesão e a indenização. Por mais sensível e apurada que seja a avaliação do magistrado, não é viável estabelecer um padrão de ressarcimento, porque, no campo do espírito humano, sempre estaremos diante do imponderável, com elementos valorativos de cada indivíduo.
Todavia, impossibilitado de aferir com precisão o valor que corresponda a um perfeito ajuste com o ressarcimento dos danos sofridos pela vítima, a reparação é sempre considerada uma forma de compensação.
A doutrina é quase uniforme em defender a tese de que a função da reparação dos danos morais é essencialmente compensatória, visto que impossível o retorno ao “status quo” como na reparação do dano patrimonial.
O quantum indenizatório terá que decorrer de uma realidade sentida e alcançada pelo julgador.
No caso presente, tenho que a julgadora perspicaz e sensível ao contexto social, à situação econômico-social das partes, ao grau de culpa do ofensor e ao caráter punitivo e exemplificativo da reparação, arbitrou, de forma acertada, a indenização em R$ 10.000,00.
Considerando tais vetores tenho que decidiu de forma equilibrada e com bom senso, não merecendo reparos a bem lançada decisão.
Com tais considerações, estou negando provimento ao apelo da empresa demandada.

RECURSO ADESIVO DO AUTOR

O requerente recorreu de forma adesiva postulando, em resumo, a elevação do montante da condenação para 400 salários mínimos.
Como já explicitei ao analisar a apelação, tenho que considerando o caso concreto, acertou a magistrada ao fixar o valor indenizatório em R$ 10.000,00. Portanto, voto pela improcedência das razões trazidas pelo recorrente adesivo, pelos mesmos motivos acima expostos.
Mantido o ônus sucumbencial da forma como estabelecido, custas pela requerida e honorários de 10% sobre o valor da condenação.
O autor também postulou, na folha inicial do recurso adesivo, a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, ao afirmar não ter condições financeiras de efetuar o preparo do recurso. (fl. 148)
No que concerne à tal pretensão, o pleito não está acompanhado da declaração de pobreza referida. Além disto, as custas do recurso foram atendidas, conforme os comprovantes de fl. 158 e seguintes.
Nestas condições, o pedido ficou superado pela ausência de interesse do recorrente.
Nestes termos, voto pelo improvimento do apelo e do recurso adesivo.
É o voto.

DES. CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo.
DES. ANTÔNIO CORRÊA PALMEIRO DA FONTOURA - De acordo.
Julgador(a) de 1º Grau: VALKIRIA KIECHLE

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TJ / RS - TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Processo: 70006127476
Classe: AC - Apelação Cível
Relator: Paulo Antônio Kretzmann
Órgão Julgador: Décima Câmara Cível
Comarca de Origem: Cruz Alta
Julgamento: 30/10/2003

EMENTA

Dano Moral. Indenização. Proibição de Entrada em boate pelo motivo de que se trataria de homossexual. Nexo causal configurado. Convites falsificados. Ausência de provas.
Ação de reparação por danos morais decorrentes da proibição de entrada em boate porque se trataria de homossexual. Prova testemunhal. Nexo causal configurado a ensejar a reparação. Ausente a comprovação de que se tratava de uma festa particular, e os convites portados eram falsificados. Ônus insculpido no art. 333, II, do CPC. Decisão mantida. Apelo improvido. (Apelação Cível Nº 70006127476, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 30/10/2003)

ASSUNTO

1. Indenização. Dano moral. Relação de causa e efeito. Comprovada. Ingresso em boate. Vedação. Discriminação. Prova. Ofensa a honra e a imagem. 2. Convite. Falsificação. Ônus da prova

REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS : CF-5 INC-III INC-X DE 1988 CPC-333 INC-II

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Luiz Ary Vessini de Lima e Dr.ª Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira.
Porto Alegre, 30 de outubro de 2003.
DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN (RELATOR)

Adoto o relatório de fls. 94/95, aditando-o como segue.
Sobreveio decisão que julgou procedente a ação de reparação por danos morais ajuizada por XXXXX em face de XXXXX, na qual a ré foi condenada a pagar ao autor a importância de R$ 10.000,00, devidamente atualizada.
A ré apelou repisando as argumentações expendidas na resposta, e reportando-se à prova testemunhal, onde foi afirmado que o autor vestia-se normalmente na data dos fatos, não sendo possível a identificação de que se tratava de um “bicha”.
Aduziu que não conhecia o autor, e apontou para o depoimento da testemunha Rivelino, inquirida sem prestar compromisso, a qual afirmou em seu depoimento que anteriormente já havia estado na boate, e que, no dia do fato narrado na exordial, vestia-se como uma mulher, embora sendo do sexo masculino.
Postulou a improcedência.
Apresentadas as contra-razões, vieram os autos.
É o relatório.

VOTO

DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN (RELATOR)

Colegas. A sentença merece ser mantida por seus próprios fundamentos, aqui adotados como razões de decidir, integrando-os ao voto.
O julgador monocrático afirmou na sentença: “Para saber a qual das partes assiste razão, entendo relevantes os depoimentos colhidos na fase probatória, em que todas as testemunhas do autor afirmam que as ofensas ocorreram, e que fora o autor impedido de entrar na boate por ser “bicha”. As testemunhas da ré em nada desabonam a conduta realizada pela mesma, sendo que nenhuma delas estava presente na ocasião do fato. ‘Ainda, a testemunha XXXXX, em seu depoimento de fls. 73, afirmou que o autor foi confundido com um travesti, mas “Diz que Airton estava vestido normal não se identificava com facilidade que se tratasse de travesti”.
‘Faz-se necessário também considerar o fato mencionado pela ré, de que os ingressos que o autor portava, tratavam-se de ingressos falsificados, entendo que a ré utilizou-se de tal argumento para defender-se, mas eis que não é este o objeto da lide. De qualquer forma, não restaram provados se realmente os ingressos que o autor, juntamente com seus amigos, apresentou eram realmente falsos. A ré não fez prova da falsidade alegada, o que era ônus seu, visto que fora ela quem suscitou
tal fato. Assim, entendo por superada tal questão.
‘Menciono ainda, os art. 5º, incs. III, X, e 1º, III, da Constituição Federal, que tratam da intimidade, honra e imagem das pessoas, os quais entendo infringidos neste caso, uma vez que o dano moral ocorreu a partir do momento em que o autor foi impedido de entrar em algum lugar, considerado público, por ser bicha. Tal limitação é considerada ilegal pela nossa Constituição Federal, sendo que ela veda qualquer tipo de discriminação e conduta que venha a desrespeitar a dignidade da
pessoa humana, e o fato de ser bicha não priva ninguém de freqüentar uma boate. Como é sabido, o dano moral toca com a violação da honra, da imagem atingindo os valores exclusivamente ideais, vale dizer, não econômicos, em face de dadas circunstâncias. O chamado dano moral tem estreita conotação com a dor, seja ela dor moral ou física. E só o fato do autor ter sido impedido de entrar na boate já caracteriza o dano, e ainda é de se considerar as dimensões que o fato tomou.”
A ré não se desincumbiu do ônus insculpido no art. 333, II, do CPC, a afastar a responsabilidade na causação dos danos mencionados na exordial.
Não trouxe qualquer elemento de prova a embasar o fato de que se tratava de uma festa particular, e que o autor portasse convite falsificado.
Inegável se mostra que a proibição deu-se em virtude do preconceito da ré em relação ao autor e aos seus amigos.
Os fundamentos eleitos pela ré no sentido de explicar e justificar a negativa de acesso à boate não foram comprovados nos autos.

Destarte, improvejo o apelo.
É o voto.

DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA (REVISOR) - De acordo.
DRª. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA - De acordo.
Julgador(a) de 1º Grau: RICARDO LUIZ DA COSTA TJADER

FONTE: http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php

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TJ / SP - TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Processo: 000.04.008453-1
Classe: Indenização (Ordinário)
Área: Cível
Distribuição: 30/01/2004
Foro Central: 3ª VARA CÍVEL
(Segredo de Justiça)
Sent. Res.: Pedido julgado procedente tópico final da sentença

Pelo exposto, julgo procedente o pedido e condeno o réu no pagamento de cinqüenta salários mínimos a cada um dos autores, vigentes em julho de 2003 e atualizados pela tabela de débitos judiciais, com juros moratórios de doze por cento ao ano (Código Civil, arts. 406 e 407 c.c. Código Tributário Nacional, art. 161, §1º) contados desde então (Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça), pondo fim ao processo com fundamento no art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno
o vencido no recolhimento das custas e despesas atualizadas e no pagamento de honorários advocatícios (Lei 8.906/94, art. 23), ora fixados em dez por cento sobre o total devido, não caracterizada sucumbência parcial pela inexistência de critérios legais explícitos para liquidação. P.R.I. - valor das custas em caso de apelação R$ 526,74 (03 volumes).

Sent. Compl.: Pedido Julgado Procedente.

Trata-se de ação reparatória de dano moral. Aduziram os autores, em suma, que são homossexuais e mantém relacionamento afetivo. No dia 6 de julho de 2003, encontraram-se no hall de entrada do estabelecimento-réu e cumprimentaram-se, com um abraço e um beijo efêmero, vulgarmente conhecido como “selinho”. Foram repreendidos pela segurança, exclusivamente em razão de sua orientação sexual. Comunicaram o fato à autoridade policial e à Secretaria de Justiça e Defesa
da Cidadania. O réu foi apenado com advertência, nos termos do art. 6º, inc. I, da Lei Estadual 10.948/01. Alegaram discriminação (Constituição da República, art. 1º, inc. III e 5º, inc. I) e postularam cem salários mínimos (com reversão de trinta por cento a duas entidades especificadas), mais obrigação de afixar (fazer) em local visível retratação, por pelo menos trinta dias. Em resposta (fls. 126-143) se alegou que o beijo era lascivo. Quanto à matéria de direito, inconstitucionalidade da Lei Estadual 10.948/01, em face do disposto no art. 22, inc. XIII, da Constituição da República.
Ainda, o ato de seus prepostos visou prevenir a ocorrência de ato obsceno (Código Penal, art. 233), portanto exercício regular de direito (Código Civil, art. 188, inc. I). Por fim, num fim de semana posterior houve manifesto homossexual nas dependências do shopping, divulgado na imprensa, e denominado “beijaço”. Houve réplica (fls. 247-267). Saneado o feito (fl. 309), nenhuma prova foi colhida em audiência, por desistência das partes (fls. 335-336). Não foi provido agravo tencionando
modificação do valor da causa (fls. 326-329). Esse o relatório. Fundamento e decido. Não entra em dúvida que em nosso ordenamento são livres a orientação sexual e, por conseqüência, as manifestações de afeto entre as pessoas. Vivemos num Estado Democrático de Direito, laico, fundado na dignidade da pessoa humana, e com o objetivo de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Constituição da República,
arts. 1º, inc. III e 3º, inc. IV). Por certo sabedor dessa realidade normativa, em sua defesa o Shopping não questionou o direito de expressão dos não heterossexuais em geral e dos autores em particular. Todavia, os elementos reunidos nos autos convergem racionalmente no sentido de que os autores foram injustamente admoestados na entrada do cinema pela segurança. Para conhecimento do fato as partes assentiram em tomar como emprestada a prova oral coligida em processo administrativo instaurado perante a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, que culminou com a pena de advertência, nos termos do art. 6º, inc. I, da Lei Estadual nº 10.948/01 (fls. 214-218 e 288-290). Posto que a alegação não infirma o direito dos autores, visto que advindo dos princípios gerais do Estado Brasileiro, não se vislumbra inconstitucionalidade da aludida lei. A competência privativa da União (Constituição da República, art. 22, inc. XIII) é para legislar sobre cidadania stricto sensu (basicamente capacidade eleitoral ativa e passiva) e não elimina, a priori, iniciativa dos Estados-membros que colime abolir quaisquer formas de discriminação em órgãos públicos ou simplesmente abertos ao público. Estão integrados ao feito, de toda sorte, os depoimentos colhidos pela Comissão Processante Permanente, quando então foram assegurados o contraditório e a ampla defesa ao ora réu. Lá e também aqui a contestação foi baseada em comportamento ilícito dos autores: sendo lascivo o beijo, tipificaria ato obsceno (Código Penal, art. 233). No entanto, a prova não revela qualquer conduta criminosa. A afirmação dos funcionários do réu, além de ser valorada com reserva pelo vínculo hierárquico, é absolutamente insuficiente para concluir pela existência de infração no âmbito penal. O fato de estarem os autores “se amassando”, em beijo prolongado, não deve ter mais a conotação de outrora, sobretudo pela evolução natural dos costumes verificada no século passado. Em verdade, prevalece o testemunho prestado por advogado que freqüenta o local, sem relação com qualquer das partes, de que os autores se cumprimentaram com um “selinho”, um beijo efêmero, não atentatório à moralidade média. Além disso, nem é verossímil que o Shopping tenha adotado a mesma postura repressora contra casais que se beijassem mais demoradamente, como é próprio da juventude, antes de assistir a um filme. Logo, é forçoso concluir que a atitude do réu foi abusiva, contravindo a valores do sistema jurídico-legal e por isso mesmo configurando ilícito civil. O conseqüente dano moral é inegável. Decorre do fato em si, prescindíveis maiores indagações. É compreensível a indignação padecida pelos autores. Censurados na expressão de sentimento mútuo, sofreram ofensa à honra subjetiva. Porém, inviável o acolhimento do pedido em toda sua extensão. Tocante ao equivalente pecuniário - R$ 100.000,00 - os autores trouxeram um caso que não pode servir de paradigma (fls. 75-98). Esse mesmo quantum foi definido em situação diversa. A vítima tinha vida pública e a injúria foi veiculada em meio de comunicação.
Nos demais também sobrelevou a repercussão do fato (fls. 99-101). Convém anotar que a divulgação do episódio decorreu do protesto organizado dias depois na praça de alimentação, denominado “beijaço”. Aliás, essa manifestação coletiva deve influir negativamente na liquidação, pois compreendida como uma forma peculiar e democrática de reparação in natura, ainda que sem a iniciativa dos autores ou do réu. Obviamente a reunião ali promovida pouco tempo depois alentou o espírito dos autores. Subsiste como legítima, mesmo assim, a obrigação de reparar, sobretudo pelo aspecto punitivo que lhe vem sendo reconhecido, para desestimular condutas contrárias ao Direito. Considerando as circunstâncias e a capacidade financeira dos envolvidos, afigura-se razoável, para cada qual dos autores, cinqüenta salários mínimos. Por fim, não tem cabida a obrigação de fazer exigida cumulativamente (afixar retratação escrita no estabelecimento), pois
implicaria num bis in idem. E a destinação do valor (doação a entidades beneficentes ou defensoras de minorias) é da estrita conveniência dos autores. Pelo exposto, julgo procedente o pedido e condeno o réu no pagamento de cinqüenta salários mínimos a cada um dos autores, vigentes em julho de 2003 e atualizados pela tabela de débitos judiciais, com juros moratórios de doze por cento ao ano (Código Civil, arts. 406 e 407 c.c. Código Tributário Nacional, art. 161, §1º) contados desde
então (Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça), pondo fim ao processo com fundamento no art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil. Condeno o vencido no recolhimento das custas e despesas atualizadas e no pagamento de honorários advocatícios (Lei 8.906/94, art. 23), ora fixados em dez por cento sobre o total devido, não caracterizada sucumbência parcial pela inexistência de critérios legais explícitos para liquidação. P.R.I.

FONTE: http://www.tj.rs.gov.br/

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TJ / RJ - TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Processo: 200500110788
Classe: AC - Apelação Cível
Relatora: Maria Augusta Vaz M. de Figueiredo
Origem: Primeira Câmara Cível
APELAÇÃO CÍVEL

Ação Ordinária de indenização por dano moral. Alegação de ter havido ato de discriminação, por parte da Administração Pública, por não ter sido permitido que o autor doasse sangue pelo fato de ser ele homossexual. Inexistência de ilegalidade.
A Administração Pública, dentro de seu poder discricionário, pode fixar termos, condições e modos, traçando critérios administrativos para limitar o conteúdo de seu ato, estabelecendo normas à doação de sangue.
Ato que não se apresenta discriminatório ao não permitir que pessoas que se não se enquadrem nos requisitos estabelecidos na Resolução – RDC n° 343/2002 da ANVISA do Ministério da Saúde venha a ser impedidas de doarem sangue; posto que apenas impede a todos àqueles que praticaram algum comportamento de risco.
Realização de prova negativa. Alegação de que, a enfermeira que lhe atendeu praticou ato abusivo posto não ter sido, suposta atitude, presenciada por ninguém. Testemunha que tão somente, tomou conhecimento dos fatos pela reprodução feita pelo autor. Sentença que se mantém.
Vistos, decididos e relatados estes autos de apelação cível n° 200500110788, em que é apelante XXXXX, e apelado Estado do Rio de Janeiro.
Acordam os Desembargadores da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em negar provimento à apelação.
Trata-se de ação ordinária de indenização por dano moral que XXXXX interpôs em face do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, sob a alegação de que, ao se dirigir para doar sangue, no dia 30 de abril de 2003, a uma unidade do réu, não logrou êxito em sua pretensão por ter sido contra-indicado por enfermeira, após lhe ter comunicado a sua condição homossexual. Afirma ter sido ofendido e constrangido e que tal impedimento é discriminatório e não encontra respaldo na legislação, já que o episódio lhe implicou danos morais, cuja reparação deve ser fixada no valor mínimo correspondente a cem salários mínimos.
A sentença (fls. 215 a 219) julgou extinto o processo nos termos do artigo 269, I, do CPC, rejeitado o pedido formulado inicial e condenou o autor em custas e honorários fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a regra do artigo 12 da Lei 1060/50.
Informado, apelou o autor (fls. 219 a 225) postulando a reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido em todos os seus termos e condenar o Estado do Rio de Janeiro ao pagamento de indenização por danos morais.
Nas fls. 228 a 237 foram apresentadas contra-razões prestigiando a decisão atacada.
Manifestação da douta Procuradoria de Justiça (fls. 243 a 246) pelo não provimento do recurso.
O recurso é tempestivo, sendo o apelante beneficiário da gratuidade de justiça.
É o Relatório
Não merece acolhimento o inconformismo do apelante, pois a decisão atacada está correta e não padece de qualquer reparo.
No presente caso, insta salientar que óbice para que o autor, ora apelante, doasse sangue, encontra respaldo em ordenamento jurídico da Resolução – RDC n° 343/2002 da Anvisa – Ministério da Saúde, que estabelece no subitem B.5. (fls. 34): “No dia da doação, sob a supervisão médica, um profissional de saúde de nível superior, qualificado, capacitado e conhecedor destas normas, avaliará os antecedentes e o estado atual do candidato doador, para determinar se a coleta
pode ser realizada sem causar-lhe prejuízo, e se a transfusão dos hemocomponentes preparados partir desta doação pode vir a causar problemas nos receptores. Esta avaliação deverá ser feita por meio de entrevista individual, em ambiente que garanta a privacidade e o sigilo das informações prestadas”. Consta, ainda, do subitem B.5.2.6.3 (fls. 37): “ Sindrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS) Todos os doadores deverão ser interrogados sobre situação ou comportamento de risco
acrescido para a infecção pelo HIV, devendo ser excluídos quem os apresentar. O interrogatório do doador deverá incluir perguntas vinculadas aos sintomas e sinais da AIDS e sarcoma de Kaposi”.
Ora, não foi demonstrado estar ele dentro dos limites ali estabelecidos, fato que não foi por este negado, apenas se insurgindo quanto à discriminação que alega ter sofrido. À todas evidencia, tal restrição nada tem de discriminatória, posto que apenas impede a doação a todos aqueles que ocorreram na pratica de algum comportamento de risco. Revela salientar, que a Administração Pública, ao cumprir os termos da Resolução 343/02, que estabelece condições, modos e critérios
para a doação de sangue, o faz com razoabilidade entre a restrição e a finalidade pública perseguida.
Quis o apelante fazer prova de descriminação que sofrera em razão de frase ofensiva que teria e sido dita pela enfermeira que o atendeu e que queria afirmado “Este é o preço a pagar por ser infiel”; nesse sentido trouxe testemunha de fls 186, que na ocasião e o acompanhava. A testemunha de fls 136, todavia, limitou-se para repetir as o que foi firmado pelo autor, pois não presenciou o pronunciamento da enfermeira.
Resulta, assim, inexistir prova de discriminação quanto à escolha sexual do autor, sendo certo sua contra-indicação à doação de sangue foi feita por profissional de saúde, qualificada e capacitada, que bem avaliou os antecedentes e o estado atual do doador, concluindo pela não coleta, consoante regras em vigência. Outrossim, foi afirmado pelo autor que, depois de ter preenchido questionário obrigatório, foi chamado a uma sala isolada, de modo que não ficou caracterizada
nenhuma exposição discriminatória à sua pessoa. Repita-se, não houve qualquer ilegalidade por parte do apelado, visto que este atentou para as normas da Resolução do Ministério da Saúde, tendo sido obedecidos os princípios constitucionais não justificando, assim, a reforma da sentença.

Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Rio de Janeiro, 09 de agosto de 2005.
DESEMBARGADORA PRESIDENTE
MARIA AUGUSTA VAZ M. DE FIGUEIREDO - Relatora

FONTE: http://www.tj.rj.gov.br/

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TJ / RJ - TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Processo: 29336/2004
Classe: AC - Apelação Cível
Relator: Des. Ronald Valladares
Origem: 16ª Câmara Cível

APELAÇÃO

Ação ordinária de responsabilidade civil. Pretensão indenizatória de alegados danos morais. Divulgação não autorizada de cenas da cerimônia da união homossexual do autor. Matéria jornalística sobre uniões da espécie. Pedido reparatório de indicado dano moral provocado pela divulgação da opção sexual do autor. Sentença de procedência do pedido. Apelo da ré. Direito de informar que encontra limitação na garantia constitucional do direito à privacidade e à intimidade da vida das pessoas. Quem por ação ou omissão voluntária, negligencia ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A ofensa de ordem moral é de índole subjetiva. Demonstrada a ocorrência e caracterizada a ofensa à honra subjetiva, durge o dever de indenizar, cumprindo ser fixado o valor com moderação e adequação. Sentença modificada, em parte. Recurso parcialmente provido.
VISTOS, e relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível n° 29336/2004 em que é Apelante TV SBT CANAL 4 DE SÃO PAULO S.A. e Apelado XXXXX.
ACORDAM os Desembargadores da Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Relatório às fls. 195.
O julgamento monocrático condenou a empresa demandada a pagar ao autor indenização, por danos morais, no valor de R$ 50.000,00, por ter divulgado imagens do “casamento” do autor sem a sua autorização, em matéria jornalística sobre “uniões entre homossexuais”, exibida em rede nacional, em 23.08.92, no programa “SBT Repórter”, onde foram mostrados detalhes da vida intima do autor-apelado.
Configura uso indevido da imagem pessoal alheia a exibição não autorizada de cenas de cerimônia de união de pessoas do mesmo sexo, ainda que não mostrada na sua integra ou por considerado curto espaço de tempo.
A ré-apelante, na lide, em nenhum momento produziu prova sobre a existência de autorização do autor para o uso da imagem, nas circunstância do caso.
O direito/dever de informar da ré, de previsão constitucional e regulado por lei, encontra limitação na própria Constituição, através das regras do direito à inviolabilidade, o que significa impedimento para os excessos ou abusos eventuais dos responsáveis pelo meios de comunicação social.
Assim, quando ocorre, não pode a ré procurar justificar a sua conduta ilícita com base na Lei de imprensa ou em qualquer outra, pois não há imunidade absoluta para o direito de informar.
Nas circunstâncias, de se reconhecer que houve dano moral culposo praticado pela apelante, pois feriu direito de personalidade da pessoa antiga pela reportagem feita com a sua imagem, sem autorização para tanto.
Dizia, à época, o art. 159 do Código Civil que vigorava: “Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligencia ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.
A douta sentença reconheceu a responsabilidade civil da apelante e condenou-lhe a pagar indenização.
Sanção da espécie, entretanto, não pode deixar de atender ao requisito da moderação, de acordo com o principio da proporcionalidade.
Da forma como estipulada, a pena civil afigura-se, “data venia”, desproporcional, pois não pode levar ao enriquecimento sem causa. Há de representar reprimenda pedagógica ao infrator e trazer uma certa satisfação de cunho pessoal ou intimo, ao ofendido, dentro dos padrões da razoabilidade.
Arbitrada a verba em R$10.000,00, estará a condenação mais ajustada aos fins próprios que deve ter, sem exageros que, enfim, a distorcem dos objetivos próprios e adequados.
Pelo exposto, examinadas as condições gerais do caso, dá-se parcial provimento ao recurso, para reduzir a verba reparatória do dano moral estabelecida para R$10.000,00 (dez mil reais), incidindo correção monetária a partir do ajuizamento da ação e juros de mera legais desde a citação, mantido o percentual definido para os honorários advocatícios, aplicado segundo o prudente arbítrio, sem extrapolar os limites da lei.

Rio de Janeiro, 06 de setembro de 2005.
Des – Ronald Valladares – Presidente e Relator

Os autos cuidam da Ação indenizatória proposta por XXXXX, contra TVSBT Canal 4 de São Paulo S.A., objetivando indenização de R$ 200.000,00, a titulo de danos morais, por ter a empresa demandada veiculo sua imagem sem autorização, em rede nacional, no programa sobre “casamento entre homossexuais”.
Do despacho saneador, que rejeitou as preliminares de decadência e de falta de documento indispensável à propositura da ação, a requerida interpôs Agravo de Instrumento (20030029386), improvido por Acórdão da lavra do eminente Desembargador Miguel Ângelo Barros. Daí foram apresentados Recurso Especial e Extraordinário, que ficaram retidos nos autos, à disciplina do artigo 542, §3°, do CPC.
O feito, a final, foi julgado procedente, em parte, ficando a ré condenada ao pagamento de R$ 50.000,00, para compensar danos morais, acrescidos de juros de 0,5% ao mês, desde a citação correção monetária, a partir da exibição do programa de televisão considerado ofensivo à honra do requerente. O “decisum” impôs, ainda, à ré, o pagamento das custas processuais e dos honorários de advogado fixados em 20% sobre o valor da condenação.
A demanda apelou (fls. 151/168), pretendendo a reforma da sentença e a improcedência do pleito ou que, alternativamente, sejam considerados os juros desde o arbitramento da verba, e a redução do “quantum” dos honorários de advogado.
O autor apresentou contrariedade ao apelo (fls. 177/189), prestigiando a sentença.
O recurso mostra-se tempestivo e regularmente preparado.
É o relatório.

Ao Ilustre Desembargador Revisor.
Rio de janeiro, 17 de dezembro de 2004.
Des. Ronald Valladares – Relator

FONTE: http://www.tj.rj.gov.br/

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TJ / RJ - TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Processo: 13923/03
Classe: AC - Apelação Cível
Relator: Desembargador Marcus Tullus Alves
Origem: 9ª Câmara Cível – TJ/RJ
Apelada: EMPRESA JORNALISTICA DIÁRIO DO VALE LTDA.

EMENTA
Responsabilidade civil – Jornal – Publicação de matéria considerada ofensiva pelo autor cantor popular – Pretensão deduzida visando recomposição de dano material e moral – Direito personalíssimo não ofendido – Indenização indevida – Recurso não provido – Decisão confirmada.
A noticia exibida em jornal de distribuição não gratuita e que não refoge aos fins inegavelmente lucrativos propostos pela empresa dando ênfase que o autor como cantor popular de grande aceitação de público local promove seus shows em espetáculos públicos freqüentados por homossexuais e simpatizantes não é causa ao reconhecimento da pratica de ilícitos civil ou regulado por lei especial merecedor de indenização porquanto nenhuma referencia pessoal quanto a sexualidade do artista foi objeto de comentário jornalístico.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n° 13923/03, em que é apelante XXXXX e apelada a Empresa Jornalística Diário do Vale Ltda.
ACORDAM os desembargadores que compõem a Colenda NONA CAMARA CIVEL do Egrégio TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, integrado ao presente Relatório de fls. 121, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do Relator.

Rio de Janeiro, 07 de outubro de 2003.
Des. JOAQUIM ALVES DE BRITO – Presidente

VOTO
A questão sob debate não se sujeita a regência da Lei n° 5250/67, o que retira de pronto qualquer idéia de ver por aportada a questão sob debate a disposto no art. 56 da lei especial, na fixação de prazo de 03 (três) meses para o exercício da ação indenizatória intentada com base em disposição constitucional e de direito comum.
Reafirma tal posição os arestos deste Tribunal, bem como, do Superior Tribunal de Justiça abaixo colecionados e retratados na abalizada opinião do Desembargador Laerson Mauro, produzido na Colenda 6° Câmara Cível no julgamento da Apelação Cível n° 4789/93 e do Ministro Ruy Rosado de Aguiar na Excelsa 4ª Turma do STJ, no julgamento de Resp. 191004/RJ.
“Os limites indenizatórios estabelecidos na Lei de Imprensa só tem incidência nos casos nela previstos, inaplicáveis, portanto, ao ilícito civil, regulado pelo direito comum. Ademais, a citada Lei editada nos idos de 1967, deu apenas um passo tímido no sentido da reparação do dano moral, ficando em muitos pontos superada pela Constituição de 1988 que, atendendo os reclamos sociais, consagrou amplamente a reparabilidade do dano moral.”
No que diz respeito ao mérito do recurso, entendo que a sentença ora posta sob vergasta se postou com acerto ao afirmar por não comprovado ilícito, a culpa e conseqüentemente a responsabilidade da empresa ré pela publicação jornalística onde é também apreciado por pessoas que declaradamente fazem questão de manifestar suas preferências sexuais.
A meu sentir a leitura atenta do texto jornalístico imputado por ofensivo e capas de gerar o dano perseguido com a exordial e agora com o presente apelo sob o titulo “Roteiro GLS Na Região” (fls. 18), apenas relata a preferência do grupo social sob enfoque pelo bom trabalho artístico desenvolvido pelo recorrente e que atua, segundo, as fotos produzidas nos autos, por vezes, vestido de forma extravagante como lhe permite o sucesso anunciado.
Assim não há como admitir qualquer equivoco ou erro na decisão ora esgrimida que fez por concluir pela improcedência do pedido indenizatório formulado pelo autor, nem que se lhe abrigue agora pelos termos deduzidos no apelo ofertado qualquer direito posto a vislumbrar conduta ofensiva e ilícita da ré apelada pronta a gerar qualquer indenização quer por dano material ou moral.
Como se sabe o dano moral é aquele que diz da ofensa ou violação que não ferir os bens patrimoniais, propriamente ditos, de uma pessoa, mas os seus bens de ordem moral, tais sejam os que se referem à sua liberdade, à sua honra ou à sua família.
A Constituição Federal em seu art. 5°, X, assegura a todos o direito de obstar a intromissão não autorizada na vida privada. Assim, não é lícito aos meios de comunicação de massa tornar pública opinião pessoal ofensiva a qualquer pessoa sem que não responda pelo ato diretamente quando não verídico e sob pena de se verificar invasão de privacidade que atinge a liberdade e o limite pessoal da pessoa retratada.
Estudado profundamente por personalidade de escol como Rosmini, Ferrara, Cohn, Willian Prosser e outros tantos juristas que chegaram a desenvolver teorias ligadas à defesa da honra, da imagem e da própria identidade a ser protegida a matéria encontrou entre nós defensor abalizado na pessoa de Walter Moraes, digno Desembargador e Professor do Departamento de Direito Civil da Universidade de São Paulo, que com maestria adentrando-se ao tema, fez construir com base sólida entendimento de que o direito à imagem, é, sem dúvida, personalíssimo como direito ao nome.
Acolhendo a posição doutrinária supra mencionada e convicto de que a decisão ora recorrida se fez operar sob correta fundamentação ao expelir toda a argüição do dano, de culpa e da responsabilidade da apelada quanto aos fatos sustentados pelo autor nego provimento ao recurso para manter integra a decisão ora recorrida.
È como voto.

Rio de Janeiro, 07 de outubro de 2003.
Desembargador Marcus Tullus Alves – Relator

RELATÓRIO

Informado aos termos do julgado proferido nos autos de ação ordinária de indenização por dano material e moral, que teve seu curso perante o juízo da 6ª Vara Cível da Comarca de Volta Redonda, conclusivo da improcedência afirmada ao pedido conduzido pelo ora recorrente busca o autor vencido nesta instancia reverter os termos da sentença espelhadas às fls. 91/93, ao argumento de que ao decidir na lide deixou o digno sentenciante de aplicar o melhor direito.
Com o recurso sustenta em igualdade com aos termos de exordial e da réplica ter direito a absorver juízo contrario ao ditado na sentença aduzindo por comprovado o comportamento ilícito da empresa ré apelada ao reproduzir reportagem ligando o nome do recorrente a grupo social de preferência sexual definido como Gays e seus simpatizantes, fato que lhe veio acarretar prejuízos denegrindo sua imagem profissional.
A apelada em contra-razões faz prestigio ao julgado propugnando por ver rejeitados os termos do recurso e por consequência confirmada a sentença ora submetida a exame recursal, a data do cometimento do ato ilícito.
É o relatório.
Ao douto Desembargador Revisor.

Rio de Janeiro, 04 de agosto de 2003.
Desembargador Marcus Tullius Alves – Relator

FONTE: http://www.tj.rj.gov.br/

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TJ / SP - TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Processo: 161.148-4/5-00
Classe: AC - Apelação Cível
Relator: Enéas Costa Garcia
Origem: 3ª Câmara “A” de Direito Privado / SP
Julgamento: 16.12.05

EMENTA

Dano Moral - Responsabilidade Civil
Autor convidado a participar de programa televisivo no qual deveria representar o papel de marido de uma mulher, sob o pretexto de discussão a respeito de relacionamentos envolvendo pessoas de idades diferentes - Durante o programa, ao vivo, o autor passa a ser acusado de manter relacionamento extraconjugal e homossexual, com presença em cena de travesti que sustentava manter relacionamento amoroso com o requerente - Conduta ilícita dos produtores do programa -
Ato doloso - Informação falsa para convencer o autor a participar do programa - Autor relativamente incapaz - Ausência de autorização dos responsáveis - Indenização devida, mas com redução do valor arbitrado em primeiro grau - Recurso parcialmente provido.

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TJ / SP - TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Processo: 249.334-4/5 – 00
Classe: AC - Apelação CívelSão Paulo
Relator: Des. Ênio Zuliani
Origem: Comarca de Presidente Prudente
Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado
Julgamento: 28.07.05

EMENTA

Indenização por dano moral
... Artigos 5º, V e X, da CF e 186, do Código Civil, de 2002 - Seminarista que é dispensado da ordenação eclesiástica devido a manter atividade sexual incompatível com as funções do cargo almejado - Obrigação de meios e não de resultados, o que justifica dispensar internos não vocacionados e que revelam perfil de homossexual passivo, pela desagregação do ambiente, independente da abertura de procedimento administrativo - Não provimento.
APELAÇÃO CÍVEL n° 249.334-4/5—00, da Comarca de PRESIDENTE PRUDENTE, em que é apelante XXXX, sendo apelados MITRA DIOCESANA DE PRESIDENTE PRUDENTE e OUTRO:
ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores MAIA DA CUNHA e TEIXEIRA LEITE.

VOTO N°: 8463
XXXX recorre da r. sentença que rejeitou ação que promove contra MITRA DIOCESANA DE PRESIDENTE PRUDENTE e SEMINÁRIO DIOCESANO NOSSA SENHORA MÃE DA IGREJA DA DIOCESE DE FRESIDENTE PRUDENTE, reafirmando que sua expulsão do curso preparatório para carreiras eclesiásticas ocorreu de maneira discriminatória e injusta, com acusações levianas de homossexualismo e que não foram apuradas em procedimento regulamentar, o que constitui ofensa à honra, causa do pedido de indenização de valor igual a 400 salários mínimos.
As apeladas articularam resposta fundada no fato de que a saída do autor foi justificada por não se confirmar sua vocação para o apostolado, em virtude de seu comportamento sexual inadequado.
Há uma preliminar de intempestividade do recurso.
É o relatório.
As apeladas não provaram que ocorreu intempestividade do recurso, pois deixaram de comprovar, que no período de fluência do prazo, inexistiu suspensão por feriados ou situações anormais que obstaculizam o transpor incólume dos prazos preclusivos. Existem feriados municipais, estaduais e federais, além de greves de servidores e tantos outros acontecimentos que perturbam a seqüência ininterrupta dos períodos processuais, pelo que cabe à parte que deseja provar ao Tribunal o
erro do Juízo ao receber o recurso [que seria intempestivo], juntar documentos para persuadir os Desembargadores. As apeladas sequer insistiram para que o Juízo de Primeiro Grau apreciasse a questão que suscitaram, o que anima conhecer para não prejudicar o acesso à ordem jurídica justa (art. 5°, XXXV, da Constituição Federal).
Esse não é o primeiro caso a ser julgado pelo Tribunal de Justiça sobre a saída de noviço de conventos que preparam os padres para o mister e para a vida de sacrifícios pessoais, em razão de desvios comportamentais em matéria sexual, o que revelaria incompatibilidade com os predicamentos religiosos exigidos. Quando do julgamento da Ap. 095.292-4/6, j. em 27.6.2000, a Terceira Câmara desta Corte, em acórdão que relatei, decidiu o seguinte (RT 782/242):
“É legítima e, portanto, não geradora do dever de reparação por dano moral, a conduta de congregação religiosa que dispensa noviço por comportamento sexual incompatível com a função religiosa, no caso, homossexualismo, independente da instauração de procedimento administrativo, diante dos fortes indícios que apontam para uma conduta inapropriada para a prática eclesiástica, em face da supremacia da justiça ética”.
O teor desse precedente revela o cuidado que a Turma Julgadora tomou ao fundamentar a decisão, para não incidir no equívoco que é ditado por mentes preconceituosas as quais discriminam as pessoas por suas preferências sexuais. O Tribunal considera que a evolução do Direito não se concilia com o radicalismo e com posições ortodoxas em torno de valores que sofrem transformações pelos membros da sociedade e, por isso, solidariza-se aos enunciados contemporâneos que não
deixam abandonados os direitos de casais homossexuais.
O n° 1 da Revista Brasileira de Direito de Família, publicado pela parceria do IBDFAM e Editora Síntese, inseriu, na p. 87, o Acórdão pioneiro do STJ, reconhecendo meação patrimonial ao parceiro homossexual, aplicando, para assim julgar, as regras dos direitos das obrigações e que veda o enriquecimento ilícito [Resp. 148.897 MG, DJ de 6.4.1998, Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR]. O TSE, no Resp. 24.564 PA, relatado pelo Ministro GILMAR MENDES, reconheceu que uma candidata ao cargo
de Prefeita era inelegível porque era participe de relação homossexual com a atual prefeita, aplicando, assim, a mesma proibição resultante do casamento entre cônjuges políticos que querem dividir o poder [art. 14, § 7°, da ÕF], o que, para VITOR FREDERICO KÜMPEL, autor de comentários do julgado [Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, vol. 35, p. 62], representou a equiparação de uniões estáveis homossexuais e heterossexuais, como partes de entidades familiares previstas no
ad. 26, §3°, da Constituição Federal.
A digna Desembargadora MARIA BERENICE DIAS lembra que as relações homoafetivas estão descortinando uma nova jurisprudência devido a existirem, tais corno existiram e existem, ainda, as uniões extra-matrimoniais, uma realidade que obriga o Judiciário a rever seus enunciados e adaptá-los aos princípios da dignidade humana, sem preconceitos e restrições morais de ordem pessoal [“Homoafetividade e o direito à diferença”, in Curso de Direito de Família, obra coletiva coordenada
por Douglas Phillips Freitas, Voxlegem, Florianópolis; 2005, p. 281].
Todavia, não há como licenciar as investidas do homossexual com libido aguçada em certos ambientes, como conventos, para se ficar no exemplo dos autos. A disciplina sóbria e austera da escola que molda o caráter e a personalidade dos pretendentes não se coaduna com qualquer tipo de atividade sexual, o que permite afirmar que tanto não serve pretendente homossexual passivo, como não convém laurear o interno que faz dos dormitórios, que são destinados pelo regimento
interno do Seminário como de descanso, de silêncio e ordem [5.2. - p. 157], local dos coitos sigilosos com mulheres que furtivamente adentram ao recinto, apesar da severa vigilância imposta quanto ao acesso. O interno com apetite sexual incontrolável é um desagregador que deprava o ambiente, constituindo causa de preocupação para a instituição religiosa, já ciente dos dissabores dos escândalos de pedofilia que deixaram o mundo perplexo.
A prova dos autos é rica em detalhes reveladores dessa incompatibilidade. O interno J. disse o seguinte ao Juiz f1. 1741: “fui assediado pelo autor na madrugada que veio para minha cama, me fazendo carícias, pegando em meu “pinto” e masturbava. Tentei fazer sexo anal com ele, porém meu órgão era pouco desenvolvido e não consegui fazer penetração no autor, sendo certo que, quando esses fatos ocorreram, os demais seminaristas estavam dormindo ou fazendo que estavam dormindo”.
O seminarista A. relatou duas situações ao Magistrado (f1. 176): “chamei a atenção do autor, que tinha mania de brincar, dando tapinhas nos sacos dos outros seminaristas. Eu lhe chamei a atenção porque doía e por ser sensível”. Contou, ainda, o que sucedeu na sala onde foi assistir, com o autor, ao filme “iho na terra da magia”: “ele pegou o filme e fomos para a sala ao lado, onde ele colocou a fita para assistirmos. Eu sentei numa cadeira giratória e ele sentou num sofá atrás. No meio
do filme, o autor colocou a mão nos meus ombros e foi descendo os braços e, ao se aproximar de minha parte genital, retirei suas mãos de mim e disse para ele que poderia fazer o que quisesse com as mãos dele, mas não em mim”.
F. também confirmou que o autor tinha mania de ‘agarrar as pessoas”, tendo, certo dia, quando compartilhavam da aula de latim, escrito várias vezes no caderno “1 love you”, o que teria “pego mal” porque outro aluno testemunhou [fl. 179]. V. contou que nas aulas de matemática, o autor “ficava roçando o joelho dele no meu pinto” (fI. 182). O Padre Expedito, com a experiência de quem dirige o Seminário há quatorze anos, narrou que as reclamações sobre o comportamento
do autor eram tantas que, para resolvê-las, convocou uma reunião para que ele se defendesse: o autor, no entanto, ficou calado diante das denúncias de assédio, fato que selou a decisão de pedir o seu afastamento [fl. 167].
Não se justifica condenar as entidades religiosas a pagar dano moral, ainda que não tivessem aberto uma sindicância para investigar os fatos. É de se admitir que a obrigação dessas instituições, que não celebram contratos onerosos com os alunos, não deve ser estudada como sendo vínculos de resultados, mas, sim, de meios tendentes a confirmar, no período de testes vocacionais, a firmeza do pupilo diante dos votos sagrados e que são seguidos como instrumentos da preservação da fé
religiosa. A exigência de procedimento formal [art. 5°, LV, da CE] para solenizar dispensa daqueles que perdem no caminho da celebração, derrotados pela tentação dos prazeres mundanos, é uma ficção jurídica diante da verdade sabida que dispensa a prévia instrumentalidade probatória.
Não se recomendam delegar super poderes aos religiosos, como se as decisões deles não merecessem controle, porque a liberdade tende ao arbítrio, ainda que diante das mais recatadas autoridades. O tempo da inquisição prova o que se está afirmando, pelo que poderá o Judiciário intervir e coibir abusos que se praticam pelos padres, corrigindo injustiças, banindo preconceitos e dizimando a discriminação racial ou por tendências sexuais. O processo civil serve de parâmetro
confiável para bem decidir e, no caso em epigrafe, não fez o autor, como se esperava (art. 333, inciso I, do CPCI), prova de ter sido injustamente dispensado do seminário, para o qual, segundo se apurou, não está qualificado, pelo menos na atual conjuntura.
O que se apurou na ação civil confirma a desnecessidade de procedimento administrativo.
A indenização por dano moral é um remédio que se aplica para tratar feridas sociais, na medida em que, sancionando condutas ilícitas com indenizações pecuniárias, satisfaz, em parte, o ego da vitima e, reeduca o infrator, estimulando-o a não reincidir para não pagar outras somas pelo erro.
Não é, no entanto a cura para todos os infortúnios que o destino insiste em pregar, porque de nada adiantaria proteger aquele que se sente injustamente discriminado (caso do autor), obrigando as apeladas a indenizá-lo pela desatinada aventura do convento, quando não há ilicitude digna de sanção civil. Seria condenar os agentes inocentes, como se isso expiasse a culpa da vítima, que é exclusiva. A condenação seria uma ofensa ao sentido dos arts. 50, V e X, da CF e 186, do CC, de 2002 (correspondente ao art. 159, do CC, de 1916).

Nega-se provimento.
ENIO SANTARELLI ZULIANI - Relator

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TJ / RS - TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Processo: 97.04.56271-3
Classe: Apelação em Mandado de Segurança
Relator: Paulo Afonso Brum Vaz
Data da Decisão: 29/06/2000
Órgão Julgador: Terceira Turma / RS
Publicação: 04/10/2000

EMENTA

Administrativo - Instauração de processo Administrativo pelo CRM - Apuração de distúrbio mental - Homossexualismo.
A apuração de eventual distúrbio mental portado por médico é justificável quando houver indícios no seu comportamento que levem à suspeita da existência de doença dessa natureza. O homossexualismo não é resultado obrigatório de uma anomalia mental.

DECISÃO
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso e à remessa oficial.

REFERÊNCIA LEGISLATIVA: LEG-FED RES-1246 ANO-1988 ART-141
Código de Ética Médica (CFM)
DOUTRINA : Autor Hélio Gomes. Título: Medicina Legal, Rio de Janeiro/São Paulo, Editora: Freitas Bastos, 1966, Pag: 459

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